D. Teresa e o foral de Ponte de Lima (1125)

- um novo olhar

 

1. O momento histórico.

 

Estamos a iniciar a celebração dos nove séculos da outorga do foral de Ponte de Lima, ocorrida em 4 de Março de 1125. Para compreendermos o alcance deste acontecimento, termos todo o interesse em conhecer o seu momento histórico, no enquadramento local, peninsular e europeu, assim como os principais intervenientes neste acto, e as suas motivações e objectivos.

A Europa estava numa era de expansão, que se iniciou no século X e continuou ao longo dos séculos XI e XII, com evidentes reflexos na demografia e no florescimento económico, mas também no quadro social e e cultural, e na actividade guerreira, com naturais repercussões na vivência religiosa.

Esse movimento estendeu-se das paragens da actual França ao norte da Península Ibérica e daí a todo o seu território. As populações, que se tinham refugiado nas montanhas setentrionais sentiram necessidade de voltar aos espaços que desde a invasão tinham ficado sob o jugo dos muçulmanos. A recuperação desses espaços, que tem sido designada como reconquista, tornou-se mais fácil com a decadência do califado de Córdova e a sua divisão em reinos de menor extensão territorial, designados como taifas.

Das terras de além Pirinéus vieram os monges, que se afadigaram a reavivar a fé dos cristãos e a renovar a organização eclesiástica, incluindo o restauro das antigas dioceses, a cópia dos livros litúrgicos, para substituir os do rito moçárabe, após a adesão do reino hispânico ao rito latino. De ascendência franca, eram os grupos de comerciantes e mesteirais − numa só palavra, os burgueses − cuja actividade encheu de vida os antigos centros urbanos ou aqueles cuja criação se ficou a dever à sua presença, ao longo das vias de comunicação. Vieram também os nobres que se dedicavam às actividades guerreiras, naturalmente com o objectivo de obter honras e proventos e sobretudo de adquirir terras para o seu domínio.

Foi nesse contexto que nos fins do século XI chegou a Espanha, animado pelo ideal da cruzada contra os Almorávidas, Henrique da Borgonha, audacioso guerreiro aparentado com o Rei de França e com as famílias mais em destaque da Europa. Nascido por volta de 1069-1070, Henrique era, ao que se sabe, o mais novo dos sete filhos do duque Henrique da Borgonha. Este, por sua vez, era irmão de Constança, que, depois de enviuvar de Hugo II, conde de Chalon, viria a casar com Afonso VI. Era natural que, por essa razão, o jovem Henrique fruísse de uma grande simpatia na corte leonesa. Além disso, era neto do duque Roberto I e de sua esposa Helie de Semour, irmã do grande abade S. Hugo, de Cluny.

Como ele, também da França veio D. Raimundo, terceiro de oito filhos do conde da Borgonha, Guillaume I, e de Estefânia de Barcelona. Raimundo era irmão de Gui, que foi arcebispo de Viene e viria a ser eleito Papa com o nome de Calixto II, funções que exerceu de 1119 a 1124[1].

Tanto Raimundo como Henrique foram bem acolhidos na corte e desempenharam importantes missões, ao serviço de Afonso VI. Ao pensar no casamento das suas filhas, Urraca e Teresa, e no futuro do seu reino, o monarca pôs os olhos nos dois borgonheses. Tem-se dito que o facto de D. Afonso VI ter dado a mão de Urraca, sua filha legítima e por isso mais próxima do trono, a D. Raimundo, correspondia ao reconhecimento de que este possuía qualidades superiores a D. Henrique. É mais lógico pensar que se alguém devia ser estimado na corte era D. Henrique, especialmente por causa da sua proximidade familiar com D. Constança, mas foi também esta relação de parentesco que ditou o seu casamento com Teresa. Com efeito, sendo Urraca filha da Rainha D. Constança e Henrique filho de Henrique, duque da Borgonha, irmão de Constança, os dois jovens eram primos direitos, o que impediria o seu casamento à luz do Direito Canónico.

 

2. A Rainha Dona Teresa.

 

D. Teresa tem sido descrita como uma infanta de grande beleza, por todos reconhecida como inteligente, empreendedora e de grande tenacidade. Ao que transparece dos documentos, segundo os entendem alguns investigadores, não era filha ilegítima de D. Afonso VI, resultante de uma relação extra-conjugal ou de um concubinato, mas presumivelmente filha de um verdadeiro casamento do Rei com Jimena Moniz[2], posteriormente anulado por razões canónicas[3]. Segundo a prática desse tempo, os filhos dos casamentos assim anulados continuavam a ser tratados legalmente como filhos legítimos. 

Com a mão da infanta Dona Teresa foi entregue ao Conde Dom Henrique o Condado Portucalense, de que assumiu o governo e a defesa contra os ataques dos almorávidas[4]. Quando D. Hen­rique faleceu em Astorga, a 30 de Abril de 1112, os destinos do condado portucalense ficaram nos braços de D. Teresa. A partir dessa altura, deixa de existir a principal razão que a tinha levado a estar ausente do território por longas temporadas: o acompanhamento de seu marido na corte ou nas campanhas militares de Afonso VI.

A falta de preparação militar iria ser a principal limitação do seu governo, colocando-a na dependência dos próceres ora portucalenses ora castelhanos. Por volta de 1117, foi-lhe reconhecido o título de Rainha, que passou a usar sistematicamente nos seus documentos pelo menos a partir de 1120[5].

Enquanto a sul a principal preocupação são as incursões dos almorávidas, a norte vemos D. Teresa ocupada em delimitar as fronteiras do reino, esforçando-se por incluir nele a Límia e uma parte substancial do vale do Minho, de Tui a Ourense, enquanto D. Urraca procurava afirmar o seu poder na Galiza e conter as ambições da irmã. Segundo refere a História Compostelana, ainda em 1121, acompanhada por Diogo Gelmires, com o seu exército, D. Urraca invadiu Portugal, cercando Teresa em Lanhoso e dirigindo uma série de escaramuças contra os principais castelos a norte do Douro, antes de regressar à Galiza[6]. Mas D. Teresa, recuperando-se do ataque sofrido, talvez no mesmo ano, invadiu o sul da Galiza, reavendo o vale do Minho. Em sequência, outorgou aos habitantes de Ourense, em 17 de Fevereiro de 1122, uma carta em que os colocava sob a sua protecção – o que equivalia à afirmação do seu domínio –, criava um mercado mensal e doava à respectiva Sé diversos bens e direitos senhoriais.

Traz a data de 21 de Agosto de 1124 um documento, de que não conhecemos o original, segundo o qual, nessa data, fez, aos monges Arnaldo e seus companheiros, a doação e coutamento de um território na Rovoyra Sacrata[7], em Montederramo (província de Ourense), dando início ao mosteiro que viria a ser designado com este nome. O documento[8], que tem sido considerado uma falsificação, é conhecido através de uma cópia muito próxima da época, pelo que, mesmo sem garantias de autenticidade, não será totalmente desprovido de interesse histórico, como se verá, a propósito do relacionamento entre D. Teresa e o conde de Trava.

A sul do rio Minho, mereceu-lhe atenção o corredor viário que atravessava o rio em Ponte de Lima, assim como o que percorria o vale do Vez, onde a principal instituição que então exercia alguma influência no território seria o mosteiro de Ázere, que, por carta de 2 de Setembro do mesmo ano, a Rainha doava à Sé de Tui, com todo o seu couto[9]. O bom relacionamento com o bispo de Tui, diocese cujo território se repartia por ambas as margens do rio Minho, constituía uma peça fundamental nesta política.

Na carta que exibe a data do seguinte dia 4 (Setembro de 1125) fez doação ou confirmou e coutou à mesma Sé a posse de algumas áreas territoriais situadas a norte do Lima – as igrejas (com os respectivos bens fundiários) de Santa Marinha de Arcozelo, S. Cristóvão da Labruja, Santa Maria de Vilar de Âncora (quarta parte), Santa Eulália de Vilar de Mouros, Santa Maria da Colina, em Coura, Santa Maria de Paçô, em Valdevez, S. Salvador da Gândara, S. Paio de Paderne, na margem do Minho, e ainda a vila de S. Pedro da Torre e S. Vicente (Távora, Arcos de Valdevez?) – e concedeu outros privilégios, como a isenção de portagens do pão, vinho, cereais, animais, artigos de vestuário, a faculdade de apascentar os gados sem pagamento de montádigo, e os direitos relativos a uma grande extensão do rio Minho, assim como à travessia fluvial em Tui, incluindo o exclusivo da barca de passagem[10].

 

A História Compostelana refere as actividades desenvolvidas por D. Teresa, enviando tropas para o norte do território e levantando novas fortificações: “fines Galleciae armatu exercitu invadebat... municipia etiam nova ad inquietandam et devastandam patriam e ad rebellandum regi aedificari faciebat”[11], isto é: “invadia com exército armado os confins da Galiza... e fazia edificar novos municípios para inquietar e devastar a pátria e lutar contra o rei”. Entre esses “municipia” (municípios) que devem a existência à Rainha D. Teresa encontrava-se o de Ponte de Lima, localizado junto ao lugar onde se cruzava com o rio Lima a mais importante via de ligação entre as áreas setentrional e meridional do ocidente peninsular, não podendo ser descurada num plano de defesa do território, como localização apropriada para erguer uma barreira às hostes inimigas que descessem de Tui, como sucedeu na campanha de D. Urraca, em 1121, e como, após a morte desta (1126), aconteceria na de Afonso VI, em 1127. Foi assim, que a Rainha D. Teresa, em 4 de Março de 1125, outorgou o foral que transformou em vila a povoação de Ponte. 

 

 

3. O texto do foral

 

1125.03.04

− Dona Teresa outorga o foral de Ponte de Lima.

 

Não há no Arquivo Municipal de Ponte de Lima qualquer original do diploma outorgado por D. Teresa em 4 de Março de 1125 e confirmado por D. Afonso II em 1217. A mais antiga versão conhecida é, de facto, a confirmação por D. Afonso II, autógrafo do notário régio Fernando Soares, já desfeito e ilegível nalgumas passagens (na transcrição abaixo em itálico), que se podem reconstituir pela cópia existente no códice de Forais Antigos maço 12, n.º 3. (Chancelaria de D. Afonso II., fl. 52). Todas as versões conhecidas se encontram no Arquivo da Torre do Tombo:

 

Gaveta 18, maço 3, n.º 27 (original da confirmação de D. Afonso II).

Forais Antigos, maço 12, n.º 3, fl. 52-53.

Forais Antigos, maço 12, n.º 4 (Forais de Santa Cruz), fl. l. (colado numa folha, no início do códice, antes daquelas em que se encontram os restantes documentos).

Forais Antigos, maço 9, n.º 4 (confirmação por D. Fernando, em 1377, da anterior conf. de Af. II).

Forais Velhos de Leitura Nova, fl. 76-76 v.º.

 

Publicações:

Portugaliae Monumenta Historica − Leges et Consuetudines, p. 365-366.

Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I, p. 85.

Forais e Cartas de Povoamento, p. 42-43.

 

[1]

In Dei nomine et Individue Trinitatis.

[2]

Ego Regina domna Tharasia Aldefonsi Regis filia, in Domino salutem.

[3]

Placuit mihi ut faciam villam supra nominato loco Ponte.

[4]

Cautum et decretum facio et firmissime roboro ut deinceps amodu quod erit IIII.to Nonas Martii Era M.ª C.ª LX.ª III.ª

[5]

ego Regina facio cautum ad ipsos homines qui ibi habitare voluerint.

[6]

Et ipsum terminum parte per foz de Torvela, et inde per inter villam Sedin et Domenz, et inde per Petram Rodadam et postea ascende ad castro d’ Oaia, et descende in Portela de Archa et fer a Miranceli et inde ad Limia.

[7]

Et si nullus homo venerit qui hoc factum meum frangere temptaverit pariat sex mille solidos.

[8]

Et illos habitatores supra nominata villa qui fora de suo cauto[12] malefecerit, pariat quingentos solidos.

[9]

Et si nullus homo qui fora terminum suum calumpniam fecerit et ibi represatus non fuerit sit liber.

[10]

Et homines qui de cunctis terris venerint ad feiram et ad illos malefecerit tam eundo quam redeundo, pariat LX.ª solidos.

[11]

Et qui ibi habitaverint in ipsa villa, per singulos annos reddant singulos solidos de suas casas et suas cortinas sine ratione habeant.

[12]

Et qui in hac villa habitaverit, suas hereditates quas fora terminum habuerint sedeant cautatas.

[13]

Et de quanto laboraverint in terras ruptas dent terciam et de non ruptis quintam.

[14]

Ego regina Tharasia et filius meus Alfonsus rex in hac carta manus nostras roboravimus.

[15]

Testes: Comes Fernandus conf., Comes Gomizoni conf., Pelagius Valasquiz curie dapifer conf., sub manu regine dominante Ripa Limia Sesnandus Ramiriz conf., et alii multi bene natorum hominum. Archiepiscopus Pelagius in Bracara.

[16]

Petrus notuit.

 


Tradução:

 

[1]

Em nome de Deus e da indivisa Trindade.

[2]

Eu, Rainha Dona Teresa, filha do rei Afonso, (desejo-vos) saúde no Senhor.

[3]

Aprouve-me fazer vila o supra-nomeado lugar de Ponte.

[4]

Estabeleço, decreto e determino firmissimamente como será para sempre desde já, 4.° dia antes das Nonas de Março da era de 1163.

[5]

Eu Rainha faço couto aos homens que aí quiserem habitar.

[6]

O seu termo parte por foz do Trovela e dai por entre a vila Sendin e Domez, e daí pela Pedra Rodada, e depois sobe ao castro de Gaia (?) e desce a Portela de Arca e vai a Mirancelhe e daí ao Lima.

[7]

Se alguém tentar infringir o meu decreto, pague seis mil soldos;

[8]

e se alguém fizer mal aos habitantes da supradita Vila fora do seu couto, pague quinhentos soldos;

[9]

se alguém fizer alguma “coima” fora do seu couto e ai não for detido, seja livre;

[10]

e se alguém fizer algum mal aos homens que de qualquer terra vierem à feira, tanto na ida como na volta, pague sessenta soldos.

[11]

Os que habitarem na vila pagarão das suas casas um soldo por ano, e terão as suas “cortinhas”sem qualquer tributo;

[12]

as herdades que os habitantes desta vila tiverem fora do seu termo fiquem coutadas;

[13]

do que colherem nas terras arroteadas paguem um terço e das não arroteadas um quinto.

[14]

Eu, Rainha Teresa, e meu filho Afonso, Rei, assinamos por mão própria esta carta.

[15]

Testemunhas:

Conde Fernando confirmou

Conde Gomes Nunes conf.

Paio Vasques, mordomo da cúria, conf.

Sisnando Ramires, governador de Riba Lima por mandado da rainha, conf.

E muitos outros homens bons.

Paio, Arcebispo de Braga.P

[16]

Pedro notou.



4. Comentário

 

INVOCAÇÃO, SUBSCRIÇÃO E SAUDAÇÃO; PREÂMBULO

 

Principia assim o foral de Ponte de Lima:

 

[1]

In Dei nomine et Individue Trinitatis.

[2]

Ego Regina domna Tharasia Aldefonsi Regis filia, in Domino salutem.

[3]

Placuit mihi ut faciam villam supra nominato loco Ponte.

Tradução:

 

[1]

Em nome de Deus e da indivisa Trindade.

[2]

Eu, Rainha Dona Teresa, filha do rei Afonso, (desejo-vos) saúde no Senhor.

[3]

Aprouve-me fazer vila o supra-nomeado lugar de Ponte.

 

A língua utilizada é uma forma deturpada do latim, a que vulgarmente se chama latim tabeliónico, que se utilizava em geral nos documentos da Alta Idade Media na altura da formação das línguas novilatinas. Só no reinado de D. Dinis se tornará obrigatória a redacção em português dos documentos oficiais.

A primeira frase do texto é a invocação. Havia diversas fórmulas com que na abertura se colocavam os documentos sob a protecção divina. Neste caso usa-se uma das mais simples, que é uma invocação da Santíssima Trindade.

Seguem-se, também usuais, a subscrição, em que se refere o nome dos outorgantes, e a saudação, dirigida aos destinatários do documento.

No preâmbulo, indica-se depois a intenção de D. Teresa ao produzir este documento:

Placuit mihi ut faciam villam, isto é, aprouve-me (ou: decidi) fazer vila.

 

A palavra “vila” aparece na documentação medieval com vários significados, entre eles o de “casa de campo” ou “exploração agrária”. Nesse sentido se mencionam no documento a vila de Sendim e a de Domez, mas não é com a mesma acepção que se refere a vila de Ponte.

A villa constituía, sob o domínio romano, e terá continuado a constituir, no período suevo e visigótico, uma ampla exploração fundiária, de que faziam parte as terras aptas para as várias culturas, os montados anexos e o casario necessário para a habitação do senhor, ou do seu villicus ou feitor (factor), e do pessoal que aí trabalhava, e para os equipamentos necessários, como os lagares, as adegas, os armazéns e os estábulos.

No século IX, enquanto ia progredindo a presúria do território, ainda encontramos referências a vilas que, em doações, vendas e permutas, são tratadas globalmente como um todo, mas a partir daí assistimos à multiplicação das referências à diversidade de casais em que essas vilas se fragmentaram, embora se mantenha a memória da vila a que anteriormente pertenceram. Essa evolução dever-se-á a várias causas, entre as quais se destacará a impossibilidade de os seus proprietários gerirem directamente, ou por intermédio de feitores (factores) devidamente capacitados, as extensas explorações agrárias, optando pela sua divisão em unidades de exploração familiar, os casais – pequenas explorações agrícolas, formadas por terras não necessariamente contíguas, capazes de alimentar uma família e de produzir os excedentes suficientes para pagar as rendas e outros direitos. Umas resultantes da transformação de antigas villas romanas que atravessaram o período suevo e visigótico, outras resultantes da iniciativa dos presores, senhores leigos ou eclesiásticos, ou dos simples cultivadores, as vilas a que se referem muitos documentos dos séculos XI, XII e XIII englobavam vários casais independentes.

No correr do tempo, com a hierarquização do espaço, na sua maior parte, essas vilas passarão a ser designadas como aldeias ou como freguesias, ficando a designação de vila reservada ao aglomerado populacional que presidia a um conjunto de aldeias, ou a um aglomerado urbano com um número de habitações superior ao que era normalmente o das aldeias, como sucedeu, por exemplo, com Ponte de Lima, em cujo foral D. Teresa, já em 1125, declarava “placuit mihi ut faciam villam supranominato loco Ponte”[13]. Em geral, as sedes dos municípios são designadas como vilas, com excepção, e nem sempre, das sedes episcopais, referidas como cidades: é este o caso de Braga, Porto, Lamego, Viseu, Coimbra, Idanha e a Guarda sua sucedânea, Lisboa, Évora e Silves[14].

 

NOTIFICAÇÃO E DATA

 

[4]

Cautum et decretum facio et firmissime roboro ut deinceps amodu quod erit IIII.to Nonas Martii Era M.ª C.ª LX.ª III.ª

Tradução:

[4]

Estabeleço, decreto e determino firmissimamente como será para sempre desde já, 4.° dia antes das Nonas de Março da era de 1163.

 

A presente notificação pode considerar-se uma fórmula rotineira da chancelaria. De contrário seria de notar a ênfase com que se pretende vincar a determinação da Rainha. Visava dizer talvez o que modernamente se exprimiria de outra forma: “quero, mando, executo”, indicando as três fases do decreto: a decisão na mente da soberana (quero), a promulgação do decreto (mando) e a sua execução. Os três vocábulos repetem, sublinham e completam a mesma ideia.

A data aparece escrita à maneira latina. Os romanos tinham em cada mês três dias principais: Calendas, Nonas e Idos. As Nonas eram no actual dia cinco ou, nos meses de Março, Maio, Julho e Outubro, no dia sete. A contagem fazia-se para trás, considerando aqueles pontos de referência como o primeiro dia. Assim no foral o quarto dia antes das Nonas corresponde a 4 de Março.

O ano está indicado segundo o calendário hispânico, cuja contagem se começava em 38 a. C. (antes de Cristo). A era hispânica vigorou oficialmente em Portugal até 1422; contudo o hábito fez que só depois de algumas décadas se deixasse de usar definitivamente. Para achar o ano correspondente no calendário cristão basta subtrair 38 ao número apresentado. Assim a era de 1163 do foral corresponde ao ano de 1125.

Vemos assim que o foral está datado de uma quarta-feira, da terceira semana da Quaresma, dia 4 de Março de 1125.

 

DISPOSITIVO

 

[5]

Ego Regina facio cautum ad ipsos homines qui ibi habitare voluerint.

Tradução:

[5]

Eu Rainha faço couto aos homens que aí quiserem habitar.

 

Nesta parte do foral, o dispositivo, enuncia-se o privilégio ou estatuto especial concedido aos moradores de Ponte de Lima.

De facto, um foral é uma carta ou um diploma em que se concedem privilégios com o intento de facilitar a consecução de ùm determinado objectivo. Neste caso pretende-se incrementar a afluência de moradores à “vila” recentemente fundada. As regalias concedidas, nomeadamente quando incluem isenções e imunidades perante o fisco e a justiça, bem como o local onde podem ser fruídas, incluem-se na designação de “couto” (cautum): “Eu, Rainha, faço couto aos homens que aí quiserem habitar”.

A palavra “couto” aparece, aliás, utilizada com várias acepções no texto do foral. Deriva do latim, de cautum, particípio passado do verbo cavere, acautelar, guardar ou tomar cuidado.

Na expressão cautum facio (estabeleço, faço lei), atrás reproduzida, a palavra cautum ou couto deve entender-se como indicando lei ou decreto emanado do poder central, pois com este significado se emprega nos antigos textos jurídicos.

Outro é o significado da palavra couto na expressão “facio cautum ad ipsos homines qui ibi habitare voluerint” (repare-se na diferente ordem das duas palavras), assim como noutras que aparecerão no decorrer do texto: “Qui fora de suo cauto malefecerit” e “suas hereditates sedeant cautatas”. Cautum (couto) nestas expressões corresponde ao conhecido bann do direito germânico e feudal e designa, conforme as variantes:

no primeiro caso, a protecção concedida aos moradores da vila (faço couto aos homens que ai desejarem habitar);

no segundo caso, o limite (linha de demarcação) da zona protegida (aquele que fora do seu couto fizer mal...);

no terceiro caso, em sentido mais lato, uma propriedade ou lugar imune ou defeso de ónus jurisdicionais e tributários (as suas herdades fiquem coutadas).

 

LIMITES DO “COUTO”

 

[6]

Et ipsum terminum parte per foz de Torvela, et inde per inter villam Sedin et Domenz, et inde per Petram Rodadam et postea ascende ad castro d’ Oaia, et descende in Portela de Archa et fer a Miranceli et inde ad Limia.

Tradução:

[6]

O seu termo parte por foz do Trovela e dai por entre a vila Sendin e Domez, e daí pela Pedra Rodada, e depois sobe ao castro de Gaia (?) e desce a Portela de Arca e vai a Mirancelhe e daí ao Lima.

 

Vimos já que D. Teresa resolveu “fazer vila” o “loco Ponte”. Loco, de “locus”  ̶  que deu em português medieval a palavra “logo” e depois a sua equivalente “lugar”  ̶  é sinónimo de “aldeia”. Esse lugar aparece indicado como sendo o de Ponte, que é referido várias vezes em documentos anteriores e contemporâneos do foral.

Mas o couto concedido aos habitantes de Ponte é mais vasto que a vila (depois) fortificada. Abrangia uma extensão ainda maior que a da actual freguesia (no início do século XXI, ainda com uma parte urbana e uma parte rural) de Ponte de Lima.

A sua delimitação começava na foz do Trovela, passando, a seguir, entre a vila agrária de Sendin e a de Domez. Sendin corresponderia possivelmente à Baldrufa e à Roseira de tempos mais recentes e Domez situava-se na actual freguesia da Feitosa, sendo o nome de uma quinta, a norte da Igreja paroquial, e abrangendo também os lugares da Igreja e de Santa Luzia da mesma paróquia, e chegou a ser, noutros tempos, o nome de toda a freguesia, estando o seu uso como topónimo quase extinto, pois apenas designava há pouco tempo um rego de água.

De Domez a demarcação do couto levava até à “Pedra Rodada”, topónimo ou simples marco, que não se consegue identificar., podendo ser um antigo miliário ou uma coluna semelhante.

Depois seguia até ao castro de Oaia (“doaia” ou “do aia”). Supõe-se que este nome subsistirá, mudado no de Gaia, que ainda hoje designa um lugar da freguesia de Arca, no sopé do Monte das Santas ou da Madalena[15]. O castro de Oaia seria pois o que existia (e de que restam alguns vestígios) no monte da Madalena, de que se manteve o antigo topónimo no sopé da colina. No Registo da Chancelaria de D. Afonso II (F.A., m. 2, n.º 3) lê-se “cast.º d’ Achaia” (“castro de Achaia” em F. S. C.), o que corresponde a uma variante fonética claramente mais próxima da forma actual do topónimo[16].

Do “castro de Oaia” a demarcação descia à Portela de Arca, topónimo que ainda se mantinha nos fins do século XX e prosseguia em direcção a Mirancelhe, topónimo várias vezes referido em documentos antigos, como assento, ainda não localizado, de um celeiro onde se recolhiam as contribuições em géneros pagas à Coroa, terminando no rio Lima. Com estes lugares assim identificados, ficava abrangida no couto de Ponte de Lima a totalidade da freguesia de Arca.

O termo, isto é, a extensão do território a que inicialmente se estendia a jurisdição do concelho era, de qualquer modo, muito restrito, mas beneficiaria de várias anexações, ainda na Idade Média, a começar pela incorporação de metade da Terra de São Martinho, na margem direita do Lima, mas foi necessário esperar mais de setecentos anos até se chegar à configuração actual, que resulta da anexação de alguns concelhos medievais, especialmente do concelho de Penela, ou de suas parcelas, e de vários coutos eclesiásticos.

Só com a reforma administrativa implantada após a instauração do liberalismo, em 1836 e 1837, foram definitivamente integradas no concelho de Ponte de Lima diversas freguesias pertencentes aos extintos concelhos de Aguiar de Riba de Lima (S. André de Vitorino, S. Salvador de Navió, S. Tiago de Poiares, S. Maria de Ardegão, S. Martinho de Friastelas e S. Julião de Paçô, hoje designada como S. Julião de Freixo), de Penela (Fornelos, Queijada, Sinde, hoje designada como Anais, Gaifar, Fojo Lobal, S. Lourenço do Mato, Sandiães, Calvelo, Cabaços, S. Martinho da Gândara, Gemieira, S. João da Ribeira, Arca, Lavradas, Gondufe, Mosteiro de S. Marta e S. João de Serdedelo, e Beiral), alguns pequenos concelhos que tinham resultado da transformação de honras nobres ou eclesiásticos, nos fins do século XVIII – Bertiandos, Feitosa, Correlhã, Refojos, Gondufe, Cabaços, Queijada e Boalhosa – e outros pequenos concelhos, como Souto de Rebordões (que incluía as freguesias actualmente designadas como Rebordões-Souto e Rebordões-Santa Maria) e a Facha (incluindo Seara e Vitorino das Donas); também as freguesias de S. Pedro de Arcos, Cabração, Fontão e Moreira, do efémero concelho de Lanheses, foram, pela mesma altura, englobadas no concelho de Ponte de Lima.

 

SANÇÃO JURÍDICA ̶  CLÁUSULAS PENAIS

 

[7]

Et si nullus homo venerit qui hoc factum meum frangere temptaverit pariat sex mille solidos.

[8]

Et illos habitatores supra nominata villa qui fora de suo cauto[17] malefecerit, pariat quingentos solidos.

[9]

Et si nullus homo qui fora terminum suum calumpniam fecerit et ibi represatus non fuerit sit liber.

[10]

Et homines qui de cunctis terris venerint ad feiram et ad illos malefecerit tam eundo quam redeundo, pariat LX.ª solidos.

Tradução:

 

[7]

Se alguém tentar infringir o meu decreto, pague seis mil soldos;

[8]

e se alguém fizer mal aos habitantes da supradita Vila fora do seu couto, pague quinhentos soldos;

[9]

se alguém fizer alguma “coima” fora do seu couto e ai não for detido, seja livre;

[10]

e se alguém fizer algum mal aos homens que de qualquer terra vierem à feira, tanto na ida como na volta, pague sessenta soldos.

 

Estamos perante uma série graduada de sanções penais que se destinam a corroborar as disposições relativas ao foro de privilégio concedido aos moradores de Ponte. A diferença de numerário pago nas multas permite avaliar em que medida uma infracção se considerava mais ou menos grave. Podemos por conseguinte conhecer por ordem da sua importância os privilégios de cariz negativo concedidos pelo foral:

l.º − o direito de não sofrer vexame de terceiros no recinto do couto; multa aos transgressores: 6000 soldos;

2.º − o direito de não sofrer qualquer vexame fora do couto; multa: 500 soldos;

3.º − o direito a não ser demandado ou preso dentro do couto por delitos cometidos fora dos seus limites (direito de asilo); evitava-se assim que, sob esse pretexto, alguma justiça estranha (senhorial) penetrasse na circunscrição protegida; não há pena estabelecida para os violadores deste privilégio;

4.º − finalmente, a proibição de molestar as pessoas que viessem à feira revela-nos outro aspecto da fundação teresiana: uma povoação comercial, e não apenas de índole agrícola ou militar, na qual tinha lugar um amplo movimento de trocas[18].

A palavra calumpnia que aparece no texto deve traduzir-se aqui não simplesmente por calúnia, no significado actual, mas pela palavra coima, que designava determinadas infracções ̶ homicídio, rapto de mulher, “esterco na boca” (stercus in ore), roubo, destruição ou arrombamento de casa ̶ ou a multa criminal que lhe era aplicada, simultaneamente, com as adequadas penas corporais.

 

ENCARGOS E ISENÇÕES FISCAIS

 

[11]

Et qui ibi habitaverint in ipsa villa, per singulos annos reddant singulos solidos de suas casas et suas cortinas sine ratione habeant.

[12]

Et qui in hac villa habitaverit, suas hereditates quas fora terminum habuerint sedeant cautatas.

[13]

Et de quanto laboraverint in terras ruptas dent terciam et de non ruptis quintam.

Tradução:

 

[11]

Os que habitarem na vila pagarão das suas casas um soldo por ano, e terão as suas “cortinhas”sem qualquer tributo;

[12]

as herdades que os habitantes desta vila tiverem fora do seu termo fiquem coutadas;

[13]

do que colherem nas terras arroteadas paguem um terço e das não arroteadas um quinto.

 

O foral é, como sabemos, uma carta em que se concedem privilégios, criando uma situação especial perante o fisco e a justiça. Nas linhas anteriores definia-se a situação dos moradores de Ponte de Lima perante a justiça. Agora estabelece-se a sua posição perante o fisco. Determinam-se as isenções de que gozam e os encargos a que ficavam sujeitos.

Assim, quanto à zona urbana, a Rainha fixa em um soldo o contributo a pagar por cada casa de habitação Um soldo ou doze dinheiros era de um modo geral o tributo a pagar pela habitação nos burgos e póvoas.

Ficam isentas de imposto as demais dependências (as “cortinhas”, isto é, recintos vedados, destinados às construções, currais, galinheiros, arrecadações, etc.). Quanto às propriedades rústicas, ou seja, às terras de cultivo, cria-se o regime de igualdade entre as que ficavam dentro e as que se situavam fora dos limites do couto: também estas, onde quer que se localizassem, ficavam coutadas, isto é, sujeitas ao mesmo regime fiscal, sem obrigação de pagar impostos a qualquer outra entidade. Nas inquirições de 1258 aparecerão diversos proprietários a defender ciosamente esta prerrogativa.

Estabelecido o regime de igualdade, fixa-se o quantitativo dos impos­tos a liquidar: um terço dos rendimentos do que hoje chamamos terras de lavradio e um quinto das restantes.

Resumindo: um soldo por cada moradia, nada pelos anexos, um terço dos rendimentos das terras aráveis, um quinto nos outros casos, sem mais sujeições nem encargos.

 

SIGNATÁRIOS DO FORAL

 

O foral termina com as assinaturas:

[14]

Ego regina Tharasia et filius meus Alfonsus rex in hac carta manus nostras roboravimus.

Tradução:

[14]

Eu, Rainha Teresa, e meu filho Afonso, Rei, assinamos por mão própria esta carta.

 

Dona Teresa intitula-se como Rainha, segundo referimos mais acima[19]. O aspecto mais curioso na assinatura do documento é a aposição do nome de Afonso Henriques junto ao de sua mãe, D. Teresa. Tal facto constitui um importante elemento para a solução de um problema de história geral: o das relações entre Afonso Henriques e sua mãe, D. Teresa. A tratar-se de um acréscimo pos­terior, nem por isso deixa de ter significado que ele se faça logo em 1217, sob a autoridade de Afonso II.

Dava-se por certo que o primeiro documento subscrito por D. Afonso Henriques com o título de rei era de 1140, posterior à famosa batalha de Ourique; o professor Dr. Paulo Merêa descobriu um documento, alguns meses anterior a esse prélio, no qual o monarca usa aquele título (Março de 1139). Observemos, porém, com certa curiosidade, que no foral de Ponte de Lima, em 1125, é a “Rainha” D. Teresa que lhe dá o inconfundível título de “Rei”. Poucas semanas depois, na festa do Pentecostes, será o próprio Afonso quem se armará cavaleiro na catedral de Zamora, fazendo a investidura por suas próprias mãos “sicut mos est regibus facere” (como costumam fazer os reis).

É certo que os títulos de “Rei” e “Rainha” não se empregavam então com o mesmo rigor do seu significado actual. O Professor Doutor Manuel Ramos (História de Portugal, Barcelos, MCMXXIX, vol. II, pág. 9) lembra o caso de um dos primeiros testamentos régios, o de D. Sancho I , em que aparecem designados como reis o primogénito Afonso, que só mais tarde seria de facto rei, e os filhos Pedro e Fernando, que nunca o chegariam a ser, e como rainha a beata Mafalda, futura esposa repudiada de Afonso IX de Leão, assim como a beata Sancha, que nunca passou de infanta.

 

TESTEMUNHAS

 

[15]

Testes: Comes Fernandus conf., Comes Gomizoni conf., Pelagius Valasquiz curie dapifer conf., sub manu regine dominante Ripa Limia Sesnandus Ramiriz conf., et alii multi bene natorum hominum. Archiepiscopus Pelagius in Bracara.

[16]

Petrus notuit.

 

Tradução:

 

[15]

Testemunhas:

Conde Fernando conf.

Conde Gomes Nunes conf.

Paio Vasques, mordomo da cúria, conf.

Sisnando Ramires, governador de Riba Lima por mandado da rainha, conf.

E muitos outros homens bons.

Paio, Arcebispo de Braga.

[15]

Petrus notuit

 

O foral encerra com a assinatura das testemunhas/confirmantes e do notário.

Quem são os componentes da Cúria Regia que assinam ou confirmam o documento? (Confirmam, de cum-firmare, assinar conjuntamente):

1)      Conde Fernando

É Fernão Peres de Trava, nobre galego, filho segundo de Pedro Froilaz, conde de Trava e aio de Afonso Raimundes, sob cuja égide actuou como acérrimo partidário da autonomia da Galiza.

Fernão Peres foi o chefe das milícias do célebre bispo de Compostela, Diogo Gelmires, e deve ter aparecido no condado português, então no prurido da independência, como elo de ligação com os magnates galegos.

A partir da invasão feita por D. Urraca em 1121, os documentos mostram o Conde Fernando Peres sempre ao lado de D. Teresa. Quando, em resposta, esta invadiu o sul da Galiza, é o primeiro da lista de confirmantes da carta outorgada aos moradores de Ourense, em 17 de Fevereiro de 1122. Em 5 de Abril presidia ao lado de D. Teresa, na reunião em Santiago de Compostela, que seguiu a um concilio provincial, em que, além de outros assuntos, se pretendia fazer a paz entre as dioceses desavindas do Porto e Coimbra[20]. Aparecerá em seguida como o primeiro confirmante da maior parte dos documentos outorgados pela Rainha, especialmente os relativos à área medieval do território[21]. Alguns desses documentos referem-no com o título de “cônsul”, que noutros tempos foi o de Sesnando, o que naturalmente corresponderá às funções nele delegadas por D. Teresa.

2) Conde Gomes Nunes (corruptela: Gomez’oni).

Filho do conde Nuno de Celanova e de Sancha Gomes de Sousa, nascido em Portugal, Gomes Nunes, que os linhagistas costumam designar como Gomes Nunes de Pombeiro, era cunhado de Rodrigo Peres (irmão do conde de Trava). Era senhor do castelo de Sobroso e de muitos outros castelos, na margem direita do rio Minho, e trazia a soldo grande número de homens de armas e peões. Em 1116 foi um dos mais aguerridos paladinos da independência da Galiza à volta de Afonso Raimundes, contra D. Urraca. Apoiou D Teresa na campanha a norte do Minho, sendo um dos confirmantes da carta outorgada aos moradores de Ourense, em 17 de Fevereiro de 1122. Nos sucessos de 1128 encontra-se ao lado de D. Teresa. Em 1137 era ainda governador da terra de Toronho (território de Tui), que se dilatava para sul do rio Minho, quando tomou parte na conjura contra Afonso VII, colocando-se ao lado de Afonso Henriques[22]

3) Paio Vasques, mordomo.

É o dapífer curiae, vedor ou mordomo-mor da casa real, especialmente ligado aos ser­viços domésticos da casa de um soberano. No tempo de Afonso Henriques, desempenharia estas funções Mendo Afonso, filho de Afonso Ansemondes. Além de ter desempenhado estas funções, Paio Vasques de Bravães, da família dos patronos deste mosteiro, foi tenens de Pena da Rainha.

4) Sisnando Ramires.

Era o “tenens” (tenente) de Riba de Lima (região de Ponte de Lima). A tenência consistia no governo de uma das circunscrições maiores (“terras”) em que se dividia o reino para fins de administração civil e militar. A nomeação pertencia ao monarca e o cargo era amovível. Como se vê, já existia a circunscrição de (Ponte de) Lima, sendo fundação de D. Teresa a “vila” que lhe viria a servir de cabeça. Dos bens que Sisnando Ramires tinha na região, são amostra os três casais que possuía em Domez e , em 1131, segundo o testemunho do Liber Fidei, doou à Sé de Braga. Herdeiros seus igualmente doariam à Sé de Braga o padroado de algumas igrejas situadas nas margens do Lima.

5) Pelágio ou Paio, Arcebispo de Braga.

É o célebre Arcebispo D. Paio Mendes, que ocupou a Sé de Braga durante dezanove anos (1118-1137). Pertencia à importante família dos Mendes da Maia (era irmão do Lidador). Como prelado bracarense, lutou com ardor na defesa dos direitos metropolitanos da Sé de Braga, os quais conseguiu ver reconhecidos pela bula Bracarensem Metropolim do papa Calisto II, em 1121. Em 1122 as suas relações com D. Teresa chegaram ao ponto de esta o mandar prender, só o libertando por exigência do referido papa Calisto II. Enfileirando, como todos os membros da sua família, entre os mais fervorosos partidários da independência, a volta de Afonso Henriques, fez-lhe este, em 1128 várias doações e mercês, além do mais, nomeando-o capelão e chanceler-mor da cúria régia e concedendo-lhe o direito de cunhar moeda.

6)      Pedro, notário.

Foi também conhecido e assinou documentos juntando ao nome a sua alcunha: Pedro Bispo. Cónego da Colegiada de Guimarães, foi notário do Conde D. Henrique e depois de D. Teresa. O notário ou cancelário (chanceler), era um alto funcionário da Cúria Regia, função desempenhada sempre por um indivíduo de elevada cultura, sob cuja orientação se elaboravam, autenticavam e expediam os diplomas régios. A sua atribuição de base era a guarda do selo real (chancela) e daí o nome com que a função era designada.


CONCLUSÃO

 No primeiro quartel do século XII, acelerava-se o movimento que haveria de levar definitivamente à independência de Portugal. D. Teresa preocupava-se com a sua defesa do seu território a sul e a fixação da respectiva fronteira a norte. A organização das populações girava à volta das antigas cidades episcopais e das novas povoações então criadas ou reconhecidas pelos primeiros forais, outorgados nos tempos do Conde D. Henrique: a norte do Douro, Guimarães e Constantim; a sul, depois do pioneiro foral de S. João da Pesqueira, ainda dos tempos de Fernando Magno, Tentúgal, Sátão, Soure, Azurara da Beira, Tavares, S. Martinho de Mouros e Sernancelhe, a que depois se juntará Ferreira de Aves[23].

Integrou-se neste movimento de organização territorial a concessão do foral de Ponte de Lima. D. Teresa decidiu transformar o “lugar” numa povoação com interesse estratégico. Foi a única a gozar então desse estatuto a norte do rio Cávado, e no Baixo Minho apenas Guimarães desfrutava de um estatuto semelhante. A importância regional de ambas as povoações é testemunhada pelo facto de que, ainda nos primeiros tempos da nacionalidade, o Minho apareça repartido em dois almoxarifados, com as respectivas sedes em Guimarães e Ponte de Lima. 

Para incrementar a afluência de moradores, o foral atribuía-lhes uma situação privilegiada no aspecto jurídico e fiscal. Estabelecia a zona, para além das muralhas, até onde esse privilégio se estendia (o couto) e determinava que, em relação ao fisco, beneficiassem dele as herdades que os seus habitantes possuíssem, mesmo fora do termo da povoação.

O documento é firmado por D. Teresa, na qualidade de Rainha, aparecendo-lhe associado o nome do filho, Afonso Henriques. Confirmam-no, como testemunhas, alguns barões ilustres, entre os quais figuram personalidades, civis ou eclesiásticas, como o Conde Fernando Peres, o Conde Gomes Nunes e o Arcebispo D. Paio Mendes.

A outorga do foral constitui um momento solene, intimamente ligado ao despontar da nacionalidade, e traduz a importância estratégica que a nível regional se reconhecia a este concelho.



[1] Mary Stroll, Calixtus II (1119-1124), A Pope Borne to Rule, Leiden, Brill Academic Publishers, 2004.

[2] Em artigo publicado na Revista Portuguesa de História, A. Quintana Prieto fez o esboço biográfico de Jimena Muñiz, utilizando a documentação proporcionada pelo Tumbo Viejo de San Pedro de Montes, cuja transcrição viria a publicar em 1971 (A. Quintana Prieto, “Jimena Muñiz, madre de doña Teresa de Portugal”, Revista Portuguesa de História, 1969, tomo XII, vol. I, p. 223-280).

[3] Como é geralmente sabido, Teresa era filha do monarca leonês Afonso VI e de Jimena Muñiz[3], pertencente a uma família aristocrática da região do Bierzo. A condição de Teresa como filha de Jimena Muñiz é-nos transmitida pelas Crónicas e por um documento do Arquivo da Catedral de Leão recentemente publicado. É este uma carta de doação da infanta dona Sancha Enríquez a D. Albertino e a sua esposa, pais do Bispo de Leão, Juan Albertino, de umas herdades localizadas em Trobajo del Cerecedo, das quais se diz “quam habui ego Sancia predicta de avia mea dompna Hensemena Muñiz, necnon et de mater mea eius filia regina dompna Tharasia”, isto é, “eu (a doadora), Sancha (Enríquez), as obtive em virtude da herança que recebi da minha avó Jimena Muñiz e da minha mãe, sua filha, a rainha D. Teresa” (J. M.ª Fernández Catón, Colección documental del Archivo de la Catedral de León (1109-1187), vol. V, Leão, 1990, doc. n.º 1436 (23 de Março de 1143, Zamora). Recentemente chamou a atenção para este documento Maria Carmen Rodriguez Gonzalez, Concubina o esposa. Reflexiones sobre la unión de Jimena Muñiz com Alfonso VI, em Stud. hist., H.ª mediev. (Universidad de Salamanca), 25 (2007), p. 143-168). A união de Afonso VI com Jimena terá ocorrido após a morte da rainha D. Inês de Aquitânia, em 1077 ou 1078[3], e antes do novo casamento do monarca com a filha do Duque da Borgonha, D. Constância, sobrinha do abade Hugo de Cluny, também ela viúva, em 1080 ou 1081 (Segundo Pierre David, Constança já estava casada com Afonso VI na Primavera de 1079, antes da carta pontifícia de 1080, Études historiques, p. 415. Também A. Linaje Conde crê que o matrimónio com Constança teve lugar em 1079, durando até à sua morte em 1093 (A. Linage Conde, Alfonso VI, el rey hispano y europeo (1065-1109). Burgos, 1994, p. 72-73 e 99-100). Para A. Gamba, o casamento com Constança ter-se-á realizado em fins de 1079 ou princípios de 1080, e, de qualquer modo, antes de 8 de Maio de 1080, data em que a rainha aparece pela primeira vez a assinar um documento ao lado do monarca (Andrés Gambra, Alfonso VI. Chancillería, Curia e Imperio. II. Colección Diplomatica, León, 1998, p. 166-171, doc. 67). Mesmo que uma datação crítica venha a colocar este documento em 1081, o mais que teríamos era de referir a presença de D. Constança em idênticas circunstância num outro documento, datado de 14 de Maio de 1080 (Andrés Gambra, l. c., p. 171-174, doc. 68).). Porque é que a união de Afonso VI com Jimena – da qual resultou o nascimento de duas filhas, Elvira e Teresa – não se consolidaria num casamento, sendo geralmente admitido que a aristocrata do Bierzo era dotada de qualidades morais e de recursos materiais que o poderiam ter aconselhado? Alguns autores consideraram tal união como um simples concubinato, atribuindo a inexistência de um verdadeiro casamento a motivações políticas, em razão dos apoios de que o monarca leonês necessitava de conseguir além fronteira, cuja obtenção o matrimónio com Constância facilitaria. Henrique Florez[3] e outros eruditos do século XVIII e XIX, que defendem a primeira opinião, baseiam-se, é evidente, em crónicas bastante posteriores à época de Jimena, como a de Sandoval, e no conhecido epitáfio do mosteiro de S. André de Espinareda (actualmente no Museu de S. Marcos de Leão), também ele de época tardia. 

[4] É natural perguntarmos a que título o território de Portugal foi colocado nas mãos do conde D. Henrique e de D. Teresa, e, por conseguinte, qual era a base jurídica para o governarem. Constituiria um dote de casamento, e então a sua primeira titular era D. Teresa? Considerava-se um território confiado a D. Henrique, por isso mesmo promovido à categoria de conde, para o defender, expandir e administrar? Neste caso onde estaria o dote de Teresa (para além da sua fortuna pessoal, no Bierzo e noutras áreas do norte de Leão, que possuiria como bens familiares ou recebidos em herança)? Apenas na carta em que, a 24 de Maio do ano de 1122, fez a doação do amplo território de Seia, diz que o recebeu como herança paterna: ipsa hereditas venit michi in portionem de hereditate patris mei regis domni Alfonsi (Torre do Tombo, Sé de Coimbra, m. I (régios), doc. 8. Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I-I, p. 77, doc. n.º 62). A verdade é que, mesmo após o casamento, D. Henrique não se limitou a administrar e a defender o território portucalense, de que estaria ausente durante uma boa parte do tempo. Tinha vindo para a Península como guerreiro e a essa actividade se entregava sempre que as circunstâncias o requeriam, enquanto viveu Afonso VI, e mesmo depois, até ao ponto de nesse exercício encontrar a morte. Além disso, não abandonou as funções na corte de Afonso VI, onde com frequência os documentos exibem a sua assinatura, geralmente acompanhado por D. Teresa (Cf. Abel Estefânio, “De novo a data e o local de nascimento de Afonso I”, em Medievalista, revista on-line, 19, Janeiro 2016). Por vezes D. Teresa poderá ter permanecido excepcionalmente do lado de cá, onde solitariamente exerceu alguns actos administrativos: um documento apresenta-a a assinar, em 1106, a doação de Idanha e do seu termo a Egas e Mourão Gosendes e, depois da morte destes, à Ordem do Hospital (Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios, vol. I, tomo I, p. 13-14, doc. n.º 9, e vol. I, tomo II, p. 547-553, Apêndice II (nota crítica). Mas se este documento é considerado apócrifo, não suscita dúvidas aquele em que D. Teresa, em 24 de Julho de 1110, “cum consensu” do seu marido, faz doação a Formarigo Guterres de propriedades situadas em Briteiros, actualmente no concelho de Guimarães, e em Real, no concelho de Amares (Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I, doc. n.º 20, p. 26-27).

[5] Cf., mais à frente, a nota 9.

[6] História Compostelana, II, XLII. Cf. Emma Falque Rey, Historia Compostellana, Madrid, Akal, 1988, p. 286.

[7] Hoje dito Ribeira Sacra, parece que indevidamente, uma vez que o primeiro vocábulo devia referir-se a um bosque e não a um rio: era o “carvalhal” (de robur, carvalho) ou bosque sagrado.

[8] Arch. Hist. Naz. (Madrid), Clero Secular e Regular, Mosteiro de Monte de Ramo, m. 1007-25-2, apógr. sec. XII. Public.: Documentos Medievais Portugueses I-I, p. 84, doc. n.º 68.

[9] Arquivo Distrital de Braga, Colecção Cronológia (Cartório da Mitra), n.° 7, cóp. do séc. XII. Sé de Tui, Libro tercero de Privilégios, perg. 1, cop. do séc. XIV. Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I, p. 87-88, doc. n.º 70.

[10] Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I, p. 88-89, doc. n.º 71. É possível que uma dessas cartas, baseada na outra, seja uma falsificação. Ver Azevedo, Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I, p. 589-590.

[11] Historia Compostellana, cit., livro 2, cap. 85.

[12] Palavra repetida no documento.

[13] Torre do Tombo, Forais Antigos, maço 9, n.º 4; Forais Antigos, maço 12, n.º 3, fl. 52-53; Forais Velhos de Leitura Nova., fl. 76; Gaveta 15, maço 5, n.º 3; Gaveta 18, maço 3, n.º 27; Forais Antigos de Santa Cruz (Forais Antigos, maço 12, n.º 4), fl. 1 (adenda inicial).

[14] Além das sedes episcopais, essa designação é dada a Bragança, no respectivo foral, e esporadicamente a Seia, talvez, neste caso, à conta de uma tradição urbana que remontava à época muçulmana. Certo é que a designação de cidade aparece, mas sem consistência, nos forais de outras povoações, porque, fora o caso de Tomar, se deve à cópia de formulários adoptados como paradigmas, como sucedeu com alguns que seguiram o modelo de Évora e o da Guarda, e, no caso específico de Penarroias, o de Bragança.

[15] A primeira capela em honra de Santa Maria Madalena foi construída entre 1621 e 1624, mas já nessa altura a colina tinha a designação de Monte das Santas, que se manteve até à actualidade. Não é possível saber que “santas” eram essas e se aí havia ou tinha havido algum culto. O topónimo quese manteve no lugarejo existente no sopé faz-nos lembrar de Santa Eulália: Eulália, Eolália, Olaia, Ovaia (ou Ouaia), Vaia, são formas do mesmo nome que aparecem no decorrer dos séculos. O u com frequência se torna equivalente a v, e a pronúncia deste justifica que se transforme num v como sucede em Vimaranes > Guimarães. Gaia podia ser, por conseguinte, equivalente a Eulália, Santa Eulália. O que de nenhuma forma é aceitável é que se transforme este nome em “Vila Nova de Gaia”, como nas últimas décadas se tem visto, em cartas topográficas e outros documentos, provenientes até de entidades oficiais como a Câmara Municipal de Ponte de Lima.

[16] O “ch” não se pronunciaria como na actualidade, mas como um q gutural, característica acentuada pelo h que lhe foii acrescentado.

[17] Palavra repetida no documento.

[18] A feira de Ponte de Lima é assim a primeira feira portuguesa cuja existência aparece documentada mesmo antes da fundação da nacionalidade (a mais antiga feira peninsular que ps documentos mencionam é a de Belorado, em 1116). Para dar incremento à feira há a preocupação de proteger os seus eventuais participantes. O foral visa defendê-los de acções declaradamente criminosas. Mas a determinação é muito vaga e podia mesmo incluir uma alusão às portagens com que abusivamente alguns senhores medievais oneravam os feirantes à passagem em caminhos situados nos seus domínios. A pena cominada aos transgressores é a menor de todas ̶  sessenta soldos ̶  e mesmo assim bastante pesada.

[19] O título de rainha foi-lhe reconhecido pela instâncias internacionais da época, designadamente o Sumo Pontífice, a quem na geopolítica de então se reconhecia unanimemente esse poder, e a Rainha de Leão e Castela, D. Urraca, que de outro modo, devido às suas ambições de hegemonia, teria sido a primeira a contestar a legitimidade desse título. O desconhecimento dos documentos levou a que muitos, ao longo dos séculos, considerassem uma usurpação abusiva o uso do título de Rainha, correspondente a uma atitude de rebeldia e de afronta a D. Urraca, mas a verdade é que não são os documentos elaborados na Chancelaria de D. Teresa os únicos nem os primeiros a designarem-na como Rainha. Os documentos mais antigos em que é claramente mencionada como tal pertencem, de facto, à Chancelaria Pontifícia: D. Teresa é referida como Rainha pela primeira vez na carta dirigida pelo Papa Pascoal II ao Arcebispo de Toledo, aos Bispos de Tui e de Salamanca e à própria regina Dona Teresa, em 18 de Junho de 1116 (Cf. Carl Erdmann, Papsturkunden in Portugal, Berlin, Weidmannsche Buchhandlung, 1927, p. 169-170, n.º 16). O mesmo acontece na carta dirigida ao Papa pelo Cardial Boso, após o concílio reunido em Burgos no dia 18 de Fevereiro de 1117 (Carl Erdmann, Ibidem, p. 171-172, n.º 18), no qual esteve presente D. Urraca e se registou a participação do Arcebispo de Toledo e dos Bispos Hugo, do Porto, e Gonçalo, de Coimbra. Assim a designa também a bula Bracarensem metropolim, do Papa Calixto II, em 20 de Junho de 1121 (Carl Erdmann, Ibidem, p. 174-177, n.º 21). [Não se esqueça que Calisto II, antes Gui de Borgonha, era irmão do Conde D. Raimundo, e, por conseguinte, cunhado de D. Urraca]. Na própria Chancelaria de D. Urraca, D. Teresa é mencionada como Rainha numa carta de concessão de privilégios à Albergaria de Monte Spiazo, em 12 de Setembro de 1118 (Cristina Monterde Albiac, Diplomatario de la Reina Urraca de Castilla Y Leon (1109-1126), Zaragoza, Anubar Ediciones,1996, p. 193-194; Irene Ruiz Albi, La Reina Doña Urraca (1109-1126). Cancilleria y Colección Diplomática, Leon, Centro de Estudios e Investigación "San Isidoro", 2003, p. 506), e se mais referências deste género não se encontram é porque a natureza dos documentos as não proporcionou, mas basta esta carta para se ver que o título fora aceite na respectiva Chancelaria. Como rainha D. Teresa aparece também designada num documento do Bispo de Ourense, atribuído ao ano de 1222 (Arch. Cat. Ourense, Privados, 1, n.º 1. Emilio Duro Peña, Catálogo de los documentos privados en pergamino del archivo de la Catedral de Orense, 888-1554, Ourense, Instituto de Estudios Ourensanos "Padre Feijóo", 1973, p. 17-18). Nos documentos da Chancelaria Portuguesa, D. Teresa aparece claramente intitulada como Rainha numa doação a Soeiro Guterres, em Maio de 1117 (Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I, p. 59-60, doc. n.º 48), num encoutamento de Novembro de 1117 (DMP-DR I-I, p. 62, doc. n.º 50), e na minuta de uma carta de couto ao mosteiro de Pendorada, que deve ter sido redigida no scriptorium do mosteiro, por volta de 1120-1122 (Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I, p. 64-65, doc. n.º 52), generalizando-se essa intitulação a partir de 1120. Certo é que já antes encontramos em documentos particulares menções em que a D. Teresa se concede esse título, embora o lugar de emissão dos documentos onde tal menção aparece, a passagem do texto, onde se faz essa menção, assim como a fraseologia utilizada, que parece desprovida de intencionalidade e decerto resultou da adaptação do formulário utilizado, o que retira ao documento o seu valor probatório para este efeito: é o caso duma doação feita a Nuno Guillulfes em 1 de Junho de 1114 (Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I, p. 52, doc. n.º 40); de documentos do mosteiro de Arouca, de 7 de Novembro de 1112, “Regnante D. Tareija infante”; do mosteiro de Pedroso, de 28 de Dezembro de 1114, “Regnante D. Tareisia Portugalense”; ou do mosteiro de Cete, de 11 de Novembro de 1115, “Sub principe regina Domna Tarasia imperante Portugal” (Documentos Medievais Portugueses – Documentos Particulares, respectivamente p. 356-357, 421 e 426-427; doc. n.º 411, 493 e 501). Pelo que observamos, o reconhecimento do direito a usar o título de Rainha partiu das instâncias pontifícias e tudo leva a crer que terá sido oficializado no concílio de Burgos de 1117, passando a Chancelaria de D. Teresa a utilizá-lo sistematicamente a partir de 1120.

[20] Em 8 de Março de 1122, com efeito, realizou-se em Compostela um concílio regional que reuniu os bispos das províncias eclesiásticas de Braga e Mérida, em que o ponto mais importante da agenda terá sido a negociação da paz entre as duas irmãs, Urraca e Teresa, embora de concreto apenas saibamos que tratou dos limites diocesanos do Porto e Coimbra (Historia Compostellana, II, 52, ed. de Emma Falque Rey, Turnholti, Brepolis Editores, 1988, p. 315). A terminar o breve capítulo, diz-se genericamente que no concílio se tratou do “estabelecimento da paz” (“de pacis stabilitate”). Logo a seguir, a 5 de Abril, sob a presidência, ou, no dizer do documento, “in presencia regine donme Tarasie et comitis domni Femandi et baronum Portugalensium”, era assinada uma acta de concórdia entre os bispos das duas dioceses, pondo termo ao diferendo que se mantivera entre ambas (Torre do Tombo, Livro Preto da Sé de Coimbra, fl. 232 v.º. Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I, p. 218-219, doc. n.º 253).

[21] Por se tratar de um caso especial, cita-se expressamente a carta em que, a 24 de Maio do ano de 1122, acompanhada pelo seu filho Afonso Henriques, D. Teresa fazia a doação do amplo território de Seia, que dizia ter recebido como herança paterna (et ipsa hereditas venit michi in portionem de hereditate patris mei regis domni Alfonsi), ao Conde Fernando Peres (Torre do Tombo, Sé de Coimbra, m. I (régios), doc. 8. Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios I, p. 77, doc. n.º 62), como recompensa “pelos serviços que este lhe tinha prestado” (pro bono servitio quod michi fecisti).

[22] Cf. Alexandre Herculano, Historia de Portugal, tomo II, pág. 149.

[23] Apenas se mencionam as localidades com forais que resultam de outorga directa do poder central. De qualquer modo, esta resenha é suficiente para ver que Ponte de Lima não é “a mais antiga vila de Portugal”, ao contrário da propaganda que alguns alarves locais espalharam entre a população ingénua. Tem outros motivos mais sérios para se vangloriar da sua história.