A vila antiga (reconstituição imaginária) - desenho de Justininho,
colorido por J. G. Costa
colorido por J. G. Costa
O foral de Ponte de Lima não é o mais antigo mas sim um dos mais antigos de Portugal. Antes de Ponte de Lima, mais de uma dezena de localidades portuguesas recebeu foral, se nos ativermos apenas aqueles que foram outorgados pelo poder central. A esses poderemos somar mais alguns, outorgados por outras entidades.
Os primeiros forais relativos a território português foram outorgados ainda pelo rei de Leão e tiveram como destinatárias as povoações de S. João da Pesqueira, no Alto Douro, em data que se não conhece mas deverá situar-se entre 1055 e 1065, de Coimbra, em 1085 e 1093, e de Santarém, em 1095. Estes forais correspondem ao avanço da reconquista para sul e destinavam-se a criar um estatuto de reconhecimento oficial e de favor em relação aos habitantes destas povoações, para estimular a sua fixação no local, o seu interesse pela defesa colectiva e, por conseguinte, o seu empenho na consolidação da linha de fronteira e na luta contra os mouros.
Podemos afirmar que objectivos semelhantes estiveram presentes na elaboração dos forais de Tentúgal, em 1108, de Aguiar da Beira, entre 1102 e 1112, de Coimbra, Sátão e Soure, em 1111. Não esqueçamos que a fronteira sul do território não se manteve sempre a mesma, pois houve diversos avanços e recuos, correspondendo, na altura em que surgiu este conjunto de forais, mais ou menos, à linha do Mondego.
Por volta de 1096, pois não são datados, são redigidos os primeiros forais cujo aparecimento não estava ligado à defesa do território mas sim ao seu desenvolvimento. É o caso dos forais de Guimarães e de Constantim, que tiveram como função a de criar as melhores condições para a fixação de “burgueses”.
Os burgueses – comerciantes e mesteirais – eram então os protagonistas da onda de desenvolvimento que começara a alastrar pela Europa, desde a segunda metade do séc. X. Com efeito, grupos de emigrantes, especialmente francos e outros por eles influenciados, deslocaram-se para o ocidente, seguindo o mesmo caminho dos peregrinos de Santiago de Compostela e estabelecendo-se nas suas margens. Assim, é à volta desse caminho que mais se desenvolve a actividade mercantil e artesanal, se restaura a vida urbana e aparecem os novos municípios.
O espírito de iniciativa e de arrojo que os anima e a força que põem na defesa das melhores condições para o exercício da sua actividade traduz-se nos próprios vocábulos que nós herdámos dessa época: burgo, burguês, franco, franquia, franqueza…
Com a sua fixação aparecem novos núcleos urbanos, alguns totalmente novos, outros nos arrabaldes das antigas cidades episcopais, nas proximidades de uma fortaleza importante ou de um mosteiro, e sempre, de qualquer modo, em lugares adequados ao funcionamento de um mercado. Esse movimento, com o avanço da reconquista, alastra também para sul, através das principais vias de comunicação.
Os primeiros forais que nasceram deste movimento, em território português, foram os de Guimarães e de Constantim (povoação mais tarde suplantada por Vila Real), outorgados pelo Conde D. Henrique, logo no início do seu governo.
O foral de Guimarães, que de ambos deve ter sido o primeiro, tinha como objectivo fomentar o desenvolvimento de um burgo, que já então se teria instalado nesta localidade. Dirige-se aos homens que vieram povoar Guimarães e aos que aí quiserem vir a habitar até ao fim dos tempos e designa-os como burgueses. O foral de Constantlm, como sucederia posteriormente com outros, tomou por modelo o foral de Guimarães.
Nem todas as povoações então criadas e onde se fixaram burgueses se incluem na categoria de burgos. Em algumas continuavam a ter grande importância, embora sem carácter exclusivo ou predominante, outras actividades, especialmente as agrárias. As povoações com essas características chamam-se póvoas. Entre elas conta-se Ponte de Lima, cujo foral foi outorgado por D. Teresa em 1125.
Antes do foral de Ponte de Lima já tinha sido outorgado o de Viseu, em 1123, para não falar no do Porto (concedido pelo respectivo bispo, também em 1123) e no de Sernancelhe, de 1124.
Feitas estas considerações, observemos que, por mais bairristas que sejamos, não é correcto afirmar que o foral de Ponte de Lima é o mais antigo e nem sequer que Ponte de Lima é a mais antiga vila de Portugal. Se olharmos apenas às povoações que neste ano de 2012 se incluem na categoria das vilas, com fundação anterior à de Ponte de Lima, encontramos as seguintes, com a respectiva data de fundação ou de outorga do foral:
[1055-1065] – S. João da Pesqueira
1102.10 –Santa Comba Dão
1108(?) –Tentúgal
1111.05.09 –Sátão
1111.06 – Soure
1112.05 – Montemor‑o‑Velho
1114.12.25 –Arganil
1124.10.26 – Sernancelhe
1125.03.04 – Ponte de Lima
1102.10 –Santa Comba Dão
1108(?) –Tentúgal
1111.05.09 –Sátão
1111.06 – Soure
1112.05 – Montemor‑o‑Velho
1114.12.25 –Arganil
1124.10.26 – Sernancelhe
1125.03.04 – Ponte de Lima
Ponte de Lima em dia de feira - fotografia de autor desconhecido
Outro problema que por vezes se levanta é o da antiguidade da feira. No foral de Ponte de Lima faz-se alusão à protecção que é dispensada aos que a ela vierem, o que faz com que a feira de Ponte de Lima seja a que tem mais antiga referência nos documentos. Mas isso não significa que fosse a mais antiga feira existente no território. Anteriores à de Ponte de Lima, ainda que não referidas nos documentos, outras deveriam existir, especialmente nas cidades que, embora decrépitas, conseguiriam resistir ao declínio da primeira metade da Idade Média. Realizar-se-iam feiras certamente em Coimbra, Santarém, Guimarães, Constantim, Viseu e noutras localidades, cujos forais são anteriores ao de Ponte de Lima.
Mas a verdade não pode retirar nenhuma coroa de glória a Ponte de Lima, que continua a ser não só uma das mais belas terras portuguesas, mas também uma das mais antigas povoações, e com uma feira, cuja importância, no decorrer dos tempos, ultrapassou e muito os limites do concelho. A sua história é também uma das mais ricas entre as várias cidades e vilas portuguesas.
Ponte de Lima nasceu do cruzamento entre a imprescindível via de comunicação que ligava o norte ao sul da península, nesta faixa ocidental, e o bucólico e lendário rio Lima. Era um local de paragem e de prestação de serviços aos que viajavam. Mas tornou-se também um ponto fulcral para a consolidação da independência, porque era a principal passagem da fronteira, em relação à Galiza, no tempo de D. Teresa. Só mais tarde, no tempo de D. Afonso II e sobretudo com D. Afonso III, a fronteira se consolidará definitivamente no rio Minho. Ponte de Lima continuará no entanto, até aos finais do século XV, a ser a mais importante povoação e muitas vezes o centro do extremo noroeste de Portugal. Depois de vários séculos de apagamento, caminha actualmente no sentido de recuperar uma boa parte da importância perdida.