1. Antecedentes: da “inventio” das relíquias de Santiago até à eleição de Diogo Gelmires.
O Bispo Teodomiro [829-847], de Iria Flávia, protagonizou, no século IX, um acontecimento que viria a ter uma influência retumbante na história da Galiza: a “inventio” ou achado do corpo do apóstolo S. Tiago, ou, como viria a escrever-se posteriormente, de Santiago. Alertado pelos fieis, e acaso, segundo outras versões, por um anacoreta chamado Pelaio, que deambulava nas proximidades, o prelado iriense identificou um túmulo, erigido sob arcos de mármore e então perdido no meio da abundante vegetação, como sendo aquele que guardaria os restos mortais do apóstolo que uma tradição dava como evangelizador da Galiza.
A milagrosa "inventio" determinou a construção de uma imponente igreja, cedo transformada em catedral, com a transferência da sede diocesana de Iria para Compostela, e a sua promoção a metrópole da Galiza e, por tempos, de outras áreas da Hispânia.
Localizada no noroeste peninsular, a catedral de Santiago tornou-se um importante centro de peregrinação, constituindo nessa qualidade uma alternativa aos grandes destinos religiosos de Roma e Jerusalém. Apresentava-se ao mesmo tempo como um símbolo da nova Hispânia, que se restaurava a partir das lutas da Reconquista.
Não é, portanto, de estranhar que a Sé de Compostela tenha sido beneficiada com doações, no decorrer dos tempos, por parte dos monarcas, dos poderosos e de simples fieis, e acumulado privilégios, que aumentaram o seu património e ampliaram o seu prestígio. A doutrina jurídica relacionada com os privilégios e isenções fazia com que, embora inicialmente estivesse em mira apenas o interesse económico, as terras doadas a uma entidade eclesiástica fossem automaticamente subtraídas à dependência de outros poderes, constituindo verdadeiros enclaves no meio de um território sob diferente jurisdição.
A mais antiga mercê relativa a esta área geográfica terá incluído, em 883, o mosteiro de S. Salvador de Montélios, localizado nos arredores de Braga, posteriormente conhecido como de S. Frutuoso de Montélios, designação que ainda hoje se mantém na corresponde igreja, recordando o nome do fundador. Nessa data, Afonso III das Astúrias confirmou a doação desse mosteiro feita em testamento à Igreja de Santiago pelo presbítero Cristóvão, que tinha procedido à respectiva presúria, assim como a doação da vila de Nogueira (correspondente à actual freguesia de Nogueira, no concelho de Vila Nova de Cerveira), feita por Romarico Cerva, que igualmente tinha procedido à sua presúria, e a de várias outras vilas, nas margens do rio Minho.
Alguns anos após a reconquista de Coimbra, e, tal como sucedeu com Braga, ainda longe de se restaurar a respectiva diocese, foi o mesmo D. Afonso III que, em 899, doou à Sé Compostelana duas vilas e a terça parte de uma outra, no território conimbricense.
Ainda nesse ano, tendo como motivo a consagração da igreja de Santiago, Afonso III reiterou diversas doações anteriores, entre as quais se citam a de Nogueira, já referida, e se inclui a vila de S. Vítor, junto ao rio Este, no território bracarense, com a menção expressa de quatro "vici" ou lugares (Efígies, Murgostos, Palatium, na grafia latina), cuja presúria tinha sido feita por Paio Peres, por ordem do monarca, e com este escambada por outras vilas.
Em 911, Ordonho II doou à mesma igreja alfaias preciosas, vários servos e bens fundiários, entre os quais se mencionava a igreja de S. João em Riba de Ave, que chegou à posse do monarca leonês por escritura do abade Honorico, que a tinha aí obtido, com a respectiva vila e seus anexos e proventos, mas esta doação apenas se consumaria integralmente após a morte do presbítero Gundesindo, a quem o Rei fizera a concessão de metade.
Poucos anos decorridos (em 915), o mesmo Ordonho II doava à Sé Compostelana a vila Corneliana, em Riba de Lima (actualmente freguesia de Correlhã, no concelho de Ponte de Lima) cum viculis et adiacensiis seu cunctis prestationibus, e nela a igreja de S.Tomé, tudo isso em substituição das quinhentas moedas de ouro que Afonso III, à hora da morte, deixara à igreja do Apóstolo. Um documento datado de 1019, cuja autenticidade foi posta em causa por vários autores, regista os resultados de uma "exquisitio magna", a que procedeu o Bispo Vistruário e os vigários régios, na presença do monarca, Afonso V de Leão. Incompleta no que respeita ao território português, essa "exquisitio" não deixa, porém, de referir a vila Corneliana. Esta veio, com efeito, a destacar-se entre o património que a mitra compostelana possuía nas terras a sul do rio Minho. Em 1061, Fernando I concedia a sua protecção à vila de Correlhã e aos seus povoadores, em carta dirigida ao Bispo Crescónio ou a todos os da Igreja de Santiago apóstolo.
A princesa D. Urraca, filha de Fernando I, em Junho de 1066, fazia testamento ao altar de Santiago, da vila de Vilela, da igreja de Santa Maria de Rio de Moinhos, de metade das igrejas de Santa Eulália e de S. Salvador de Cabreiros, tudo localizado em Valdevez, incluindo na sua doação as vinte e cinco famílias de servos aí instaladas, referindo-os por nome e com o número dos respectivos filhos e de outros familiares.
Para evitar que os seus funcionários em Portugal inquietassem os moradores das terras pertencentes à Sé Compostelana, Fernando I outorgou, por essa data, uma carta a proteger das ingerências de entidades alheias à Igreja de Santiago ou à família iriense (do antigo nome da diocese, Iria) todos os homens que sob a sua égide viviam "in villas Corneliana, Bracara, Montelios, Villela, Colina et alias".
Depois de assumir o governo da Província Portucalense, o Conde D. Henrique, outorgou também uma carta, datada do dia 9 do mês de Dezembro de 1097, através da qual não só confirmava a doação da vila Corneliana à Igreja Compostelana, como autorizava os seus moradores a colherem lenha e madeira e a apascentarem os gados onde quisessem, ao redor, para além dos limites da referida vila, sem que por isso pudessem ser molestados por qualquer vigário régio, saião ou poderoso.
Por esta data, Diogo Gelmires já exercia pela segunda vez as funções de administrador, sede vacante, da Diocese de Santiago de Compostela. Diogo Gelmires foi protagonista de uma ascensão rápida e fulgurante na carreira eclesiástica. Filho do poderoso milles Gelmiro, a quem o Bispo de Iria-Compostela confiara a tenência do Castellum Honesti e do território situado entre os rios Ulla e Tambre, formou-se na escola da catedral compostelana e completou essa formação na corte de Afonso VI. Não passaram despercebidas as qualidades deste "jovem perspicaz, ornado de bons costumes e de um grande dinamismo na acção". Regressado à Galiza, entrou na cúria diocesana e tornou-se membro do cabido catedralício. D. Raimundo da Burgonha, casado com a infanta D. Urraca, filha de Afonso VI, encarregado do governo da Galiza, recorreu aos seus serviços como chanceler e secretário, e tinha-o na sua companhia quando foi derrotado pelos muçulmanos nos arredores de Lisboa. O prestígio de que Diogo gozava nos meios político e eclesiástico determinaram a sua escolha para administrador apostólico da diocese, nos períodos de sede vacante, de 1093 a 1094 e novamente de 1096 a 1100, apesar de ainda não ter recebido as ordens eclesiásticas. As mesmas qualidades e a experiência de tal modo adquirida contribuíram para a sua definitiva eleição como Bispo de Compostela, após a sua ordenação como subdiácono feita, por ocasião da sua deslocação a Roma, em 1101, pelo próprio Papa Pascoal II. A diocese, cuja sede fora entretanto definitivamente transferida de Iria (nas proximidades do actual Padrón) para Compostela (a primeira aprovação desta transferência foi dada pelo Sumo Pontífice em Dezembro de 1095), tinha agora à sua frente, após alguns anos de perturbação, um prelado jovem, cheio de ambição e de energia, que procuraria engrandecer por todos os modos a Igreja de Santiago.
2. Uma singular “visita pastoral”.
Enquadra-se no programa de engrandecimento da Sé Compostelana a visita pastoral que, logo no início do seu pontificado, Diogo Gelmires empreendeu às terras submetidas à sua jurisdição localizadas a sul do rio Minho.
A crónica dessa deslocação ocupa algumas páginas no Registrum Venerabilis Compostellanae Ecclesiae Pontificis Didaci Secundi vulgarmente conhecido como História Compostellana. Iniciado por volta de 1107, este Registrum, conforme se refere em mais do que uma passagem, foi elaborado por vontade do próprio Gelmires, que se pode considerar por isso o seu autor moral, além de protagonista da maior parte dos factos aí narrados, e esteve a cargo de alguns dos seus mais próximos colaboradores, situação que naturalmente se reflectiria na objectividade e isenção dos redactores, embora a obra constitua, de qualquer modo, um importante documento histórico. Nem sempre os estudiosos estiveram de acordo, mas desde Enrique Florez, a quem se deve a primeira edição impressa, incluída na Hispania Sacra, os autores principais da História Compostellana têm sido identificados como Nuno Afonso, então cónego e tesoureiro da catedral, e, após eleição do anterior para Bispo de Mondonhedo, em 1112, mestre Geraldo, também cónego na mesma Sé. Recentemente, F. Lopez Alsina atribui a este a autoria do Livro I, a partir do capítulo 46, e a maior parte do Livro II. A autoria do último livro, que durante muito tempo foi atribuída ao mestre Geraldo, é actualmente considerada como de outro ou de outros autores, ainda não identificados. A parte final será posterior à morte de Diogo Gelmires, e, por conseguinte, a 1140. Trata-se de uma obra que abarca um aro cronológico muito amplo, sendo natural que, para além dos autores principais, e recolhidos por estes, tenha beneficiado de vários outros contributos.
D. Hugo, também ele cónego da Igreja compostelana, foi um desses colaboradores secundários, por isso mesmo incluído por Enrique Florez no elenco dos autores da História Compostellana. Francês de origem, mas discípulo e depois capelão e colaborador principal de D. Diogo Gelmires, seu autêntico braço direito, D. Hugo, mesmo depois de eleito para a Sé do Porto e sagrado Bispo, em 1114, de pouco tempo disporá para permanecer na sua diocese, no intervalo das deslocações à Cúria Romana (1115) e ao concílio de Reims (1119), onde irá obter do seu conhecido e particular amigo de Santiago, o Papa Calisto II (filho dos Condes da Borgonha e irmão de D. Raimundo Conde da Galiza), a dignidade metropolitana para Santiago (em sucessão de Mérida, sob o jugo muçulmano) e a legação apostólica para Diogo Gelmires.
A D. Hugo se deve o relato da viagem que D. Diogo Gelmires, pouco tempo depois da sagração como Bispo de Compostela, empreendeu aos domínios da Igreja de Santiago localizados a sul do rio Lima. Na estrutura da Historia Compostellana corresponde-lhe o capítulo 15 do Livro I, que se inicia com um breve preâmbulo, de oito linhas, possivelmente de outra mão, ao qual, antes de iniciar a narrativa, se segue o título "Translatio S. Fructuosi, Silvestri, Cucufati, Susanae Virginis et Martyris in Compostellam" (Translação para Compostela dos Santos Frutuoso, Silvestre, Cucufate, Susana virgem e mártir). O Bispo compostelano decidiu visitar, no ano de 1102, as igrejas, mosteiros e herdades que a sua igreja possuía no território portucalense e apresentam-se as preocupações pastorais como razão dessa visita. Fez-se o Prelado acompanhar das pessoas mais importantes da sua cúria e enviou à frente um mensageiro a anunciar ao Arcebispo de Braga a sua próxima chegada. Tratava-se de um acto de cortesia formal, uma vez que a visita se dirigia a locais que, em princípio, não estariam sob a jurisdição do prelado bracarense. Corresponderia esta atitude a uma cordialidade sincera? Pelo menos assim foi entendida pelo bom Arcebispo de Braga, não fosse ele S. Geraldo. O Arcebispo convocou os fiéis e o clero e saiu em cortejo processional a receber festivamente o compostelano, introduziu-o pela mão na Sé de Braga, instou-o a celebrar aí a missa e depois convidou-o para a sua mesa e até lhe dispensou os aposentos, indo dormir a outra casa.
Seria natural que os dois já se conhecessem e que até existisse entre ambos uma verdadeira amizade. É bem possível que se tenham encontrado em Roma, no ano de 1100, em que o Papa concedeu o pálio a S. Geraldo, restaurando a categoria metropolitana da Sé de Braga, e ordenou Diogo Gelmires subdiácono, abrindo assim o caminho à sua eleição para Bispo de Compostela. Gelmires irá mais tarde obter do Papa o privilégio de elevar o número dos cónegos de Santiago para setenta e dois e de nomear, entre eles, sete presbíteros cardeais para dar maior esplendor à sua igreja, à semelhança do que sucedia em Roma e em algumas outras dioceses. Vamos encontrar Geraldo de Braga incluído entre os cónegos de Santiago, e até na categoria de hebdomadário, sem podermos afirmar, no entanto, que de facto alguma vez tenha pessoalmente participado como tal nas cerimónias realizadas na catedral. Diogo Gelmires chegou a intervir junto do Arcebispo de Braga, embora sem resultado, a favor de uma família local, por ter sido negada a sepultura religiosa a um dos seus membros.
Os factos que nos dias seguintes à recepção festiva aconteceram em Braga não abonam porém a favor da lisura e mesmo da boa fé do compostelano. Tendo-se, com efeito, despedido do seu anfitrião, que o acompanhara até à igreja de S. Vítor, iniciou a visita pastoral, e segundo o cronista, interessado em justificar de antemão as acções do prelado, aquilo que mais o afligia (pio gemebat affectu) era a falta de cuidado com as relíquias ou, mais exactamente, com os corpos dos santos dispersos por estas igrejas, que diz "não estarem a ser objecto do culto devido mas jazerem a descoberto e em desordem à vista do público" (nullo cultu venerata, sed nuda et publico visu patentia passim per eas jacere), propondo como remédio a sua transferência para a Sé de Compostela. Mas logo se contradizia, ao declarar que essa transferência tinha de ser feita em segredo, para não provocar a sublevação dos locais, o que supõe que estes de facto lhes prestavam culto, e, mais ainda, ao verificar que, logo na primeira igreja visitada, a de S. Vítor, as piedosas relíquias do Salvador e de vários santos (informa o cronista), em vez de desprotegidas e desleixadamente patentes ao olhar das pessoas, estavam bem seguras do lado direito do altar-mor, onde foi preciso escavar para as retirar, e se encontravam guardadas numa "numa arca de mármore trabalhada admirável e artificiosamente" (arca marmorea mire ac subtiliter fabricata) e dentro de "dois pequenos cofres de prata" (duas capsulas argenteas)". E do mesmo modo procedeu, na mesma igreja, em relação às relíquias dos mártires S. Cucufate e S. Silvestre, que mandou extrair do respectivo mausoléu, e depois na igreja da virgem e mártir Santa Susana, cujo venerável corpo fez retirar com a ajuda dos seus mais próximos colaboradores, mas a ocultas dos restantes (per idoneos ministros atque fideles, ceteris ignorantibus), com pranto e lágrimas (cum fletu et lacrimis)! Passaram-se mais dois dias a congeminar a retirada do corpo de S. Frutuoso, que deixou para último lugar, de modo a se poder afastar de imediato, logo que dele tomasse posse. Com efeito, como anota o autor da narrativa, Diogo Gelmires tinha plena consciência do que estava a fazer, porque S. Frutuoso era venerado como padroeiro e defensor da região. Após a celebração da missa, aproximou-se do respectivo sepulcro e com a maior dissimulação e cheio de medo (cum majore timore et silentio), furtou-o em "piedoso latrocínio" (eum pio latrocinio sustulit) – repare-se na força da expressão, não obstante saída da pena de D. Hugo, o mais próximo colaborador e dedicado amigo de D. Diogo Gelmires – e, uma vez roubado, confiou-o à custódia dos seus guardas. Embora o acto fosse desconhecido de todos, para além dos que faziam parte do círculo mais próximo de Diogo Gelmires, a verdade é que naquela noite o Bispo de Compostela não conseguiu fechar os olhos. De manhã, satisfeito com a notícia de que o que tinha feito não se tinha propalado, e concluindo desse modo (nada) edificante a sua piedosa visita pastoral aos territórios sob a sua jurisdição a sul do rio Minho (só concretizada em relação aos da cidade de Braga!), pôs-se rapidamente a caminho da vila de Correlhã, como alguém que se retira em fuga apressada (tanquam iniens fugam accelerando)! Aí chegando, foi informado de que já tinha chegado aos ouvidos dos habitantes da vila Corneliana o rumor do que sucedera em Braga, ou seja, de que o Bispo de Santiago tinha cometido uma acção indigna, porque roubara e procurava levar para a sua cidade os santos, isto é, os patronos e defensores da terra portucalense. Congeminou então um ardiloso estratagema, encarregando um dos seus Arcediagos ‒ o próprio D. Hugo, futuro Bispo do Porto ‒ de levar as relíquias pela calada, até atravessar o rio Minho. O cronista ‒ o mesmo D. Hugo, que classificou o acto como "pio latrocínio" ‒ força a intervenção do sobrenatural, para justificar o que se estava a passar: o rio que durante três dias correra tumultuoso, devido às intempéries do inverno, tornou-se repentinamente sereno para dar passagem ao sagrado espólio. Chegado a Tui, o Arcediago deixou-o no cenóbio de S. Bartolomeu, entregue à guarda de um diácono, que o conduziria, por sua ordem, até à igreja de S. Pedro de Cela, fundação frutuosiana, onde, durante dez dias, enquanto não chegava o Bispo, ficaria exposto à veneração dos fiéis, e regressou à Correlhã, a dar notícia a Diogo Gelmires do êxito da sua missão. Partiu o Bispo, cheio de júbilo, para acompanhar as relíquias de terra em terra até chegar a Santiago. Atempadamente, dos arredores de Pontevedra, enviou mensageiros a anunciar ao clero e ao povo compostelano a sua chegada com os venerandos despojos, para que lhe preparassem uma recepção festiva condigna. Acorreu o povo e o clero a acolher o Bispo e a sua comitiva, no Milladoiro (Humiliatorium, na forma latina do texto da Historia Compostellana, que para muitos autores corresponderia à etimologia da actual designação) e daí, pés descalços, com o prelado à frente, seguiram todos em cortejo processional, entoando hinos e cânticos, até à catedral de Santiago.
O corpo de S. Frutuoso foi colocado no altar de S. Salvador, na cripta maior da igreja, onde permaneceria quatro anos, até ser transferido para capela e altar próprios, erigidos na nave esquerda da igreja, na cripta situada entre a porta do claustro e o altar de Santiago; o do mártir S. Cucufate, foi deposto no altar do apóstolo e evangelista S. João; o do mártir S. Silvestre, no altar dos apóstolos S. Pedro e S. Paulo. O de S. Susana virgem e mártir foi levado para a igreja construída em honra do Santo Sepulcro e de Todos os Santos, no lugar que em tempos anteriores se chamava Outeiro de Potros (Puldrorum) e depois viria a ter o nome da santa.
Estava-se então no décimo quarto dia antes das calendas de Janeiro, isto é, no dia 18 de Dezembro de 1102, como regista cuidadosamente o cronista do evento, o Arcediago D. Hugo, futuro Bispo do Porto, depois de anotar a sua participação nesta façanha: "Hugo eiusdem Compostellanae Sedis Canonicus et Archidiaconus, qui praedicti secreti conscius fui, qui etiam in tanti tamque pretiosi thesauri inventione et inventi administratione fidelissimus consultor et diligens cooperator corpore praesens et animo devotus extiti; praefati eventus prosperitatem, ne oblivionis caligine sopiretur, diligenter scripsi et posteris memoriam fideliter tradidi" (Eu, Hugo Cónego e Arcediago da mesma Sé Compostelana, conhecedor do mencionado segredo, que também fui consultor fidelíssimo e diligente colaborador e estive presente no encontro de tantos e tão preciosos tesouros, descrevi diligentemente o êxito do mencionado evento e o transmiti fielmente à memória dos vindouros, para que não se apague na bruma do esquecimento).
3. As relações entre Braga e Compostela.
Tudo leva a crer que, apesar das boas relações a que fizemos referência, Diogo Gelmires não informou o Arcebispo de Braga, S. Geraldo, das suas verdadeiras intenções, e que, devido ao secretismo com que agiu, só posteriormente o Bracarense terá chegado ao conhecimento do que tinha acontecido com a transferência das relíquias de Braga para Santiago de Compostela. Sabemos, e já o referimos, que o prelado santiaguês procurou captar-lhe a simpatia, nomeando-o cónego de Santiago de Compostela, o que dava também direito a uma prebenda, mas não conseguimos descortinar se essa promoção aconteceu antes ou depois da subtracção das relíquias e muito menos se S. Geraldo a aceitou e se alguma vez exerceu pessoalmente as funções correspondentes, designadamente através da participação nas solenes liturgias da catedral de Santiago. Mas é de crer, que, apesar da sua mansidão e santidade, fazendo jus à determinação e frontalidade com que, segundo o seu biógrafo, agiu noutras circunstâncias, S. Geraldo não ficou satisfeito com a acção de Diogo Gelmires e deve ter-se queixado de imediato ao Pontífice Romano. Com efeito, S. Geraldo deslocou-se a Roma, onde se encontrava no começo da Primavera de 1103, pois já no início de Abril o Papa assinava cinco bulas sobre assuntos de interesse para a arquidiocese de Braga. Uma delas, a bula Et fratrum relatione accepimus, é dirigida a D. Diogo Gelmires, a quem recomenda o acatamento dos direitos do Arcebispo de Braga, que ele tinha abusivamente desrespeitado: com efeito, o Rei D. Garcia I, quando iniciou a restauração da Sé de Braga, deu à igreja de Compostela o mosteiro de Cordário, em troca de uma parte de Braga, ou, mais concretamente, das igrejas de S. Frutuoso e de S. Vítor, e por isso o Papa ordenava a D. Diogo Gelmires que as restituísse à Igreja bracarense; quanto aos outros bens que a igreja de Santiago possuísse em Braga, determinava o Sumo Pontífice que retivesse o domínio material, que era o único que os doadores tinham capacidade para lhe transmitir, e que nos restantes direitos episcopais, na ordenação de clérigos, no exercício da jurisdição eclesiástica, nas dízimas e nas ofertas dos fieis, deixasse tudo na íntegra e pacificamente por conta do Arcebispo de Braga.
Diogo Gelmires não terá ficado satisfeito com as determinações do sumo Pontífice e continuou, nos anos seguintes, a tentar atraí-lo por todos os modos à sua causa e assim obteve a bula Sicut iniusta poscentibus, em que o mesmo Papa Pascoal II confirmava, em 21 de Abril de 1110, todas as possessões do Bispo de Compostela, referindo entre elas, no território portucalense, as igrejas de S. Vítor e S. Frutuoso e a Vila Corneliana!
O Arcebispo D. Maurício Burdino, em 16 de Setembro de 1109, aparece-nos mencionado como Cónego de Santiago, a receber das mãos do seu “amigo” D. Diogo Gelmires, em prestimónio pessoal, metade de cada uma das possessões e herdades que a Igreja de Santiago possuía entre os rios Lima e Douro, e designadamente as igrejas de S. Vítor e de S. Frutuoso e a Villa Corneliana, doação revogável a qualquer momento. Este acto parece um expediente utilizado por Gelmires, para adiar a resolução definitiva dos problemas com os contestados direitos da Sé Compostelana em terras portuguesas, concretamente na área da diocese de Braga.
Após o afastamento de D. Maurício Burdino foi eleito Arcebispo de Braga D. Paio Mendes – que a História Compostelana apoda de “idiota” – e Diogo Gelmires quis aproveitar-se do encontro proporcionado pela sagração do novo prelado bracarense em Segóvia, no ano de 1118, com ele, com o legado pontifício e com outros Bispos, para reaver os bens reivindicados a sul do rio Lima, mas o recém-consagrado Arcebispo, que era membro do cabido bracarense e tinha exercido as funções de Arcediago, estava por certo bem informado sobre a questão e não cedeu às pretensões de Gelmires, mas, pelo contrário, convocado para comparecer em Tui perante os três juízes que tinham sido nomeados para resolver a contenda – os Bispos de Lugo, Tui e Ourense – nem sequer se dignou atravessar o rio Minho!.
Depois de ter sido espoliada por Diogo Gelmires das relíquias que a haviam tornado num local de atracção para os fieis – e é conhecido o papel que tiveram as relíquias na piedade medieval - é muito provável que a Igreja de S. Vítor tenha sofrido as consequências de algum abandono, traduzido na ruína do edifício, e, por esse motivo, e como modo de patentear a sua jurisdição, logo no início do seu episcopado, D. Paio Mendes terá promovido obras de reconstrução ou, pelo menos, de beneficiação do templo. Pelo menos é essa a única explicação plausível para justificar o facto de que, em 22 de Fevereiro de 1120, D. Paio Mendes tenha procedido à respectiva sagração, dotando-a, por essa altura, dos recursos necessários para nela se manter o culto religioso.
Segundo refere a Historia Compostelana, o Sumo Pontífice, tendo conhecimento das dissensões entre os dois prelados, enviou uma carta a chamar a atenção do Bracarense para a necessidade de reentregar ao Compostelano a honra que Maurício Burdino tivera em prestimónio e que ele violentamente retinha. Dirigindo-se a Compostela, em 1121, D. Paio Mendes fez um pacto de amizade com D. Diogo Gelmires, que o tornou Cónego da Igreja de Santiago, e lhe concedeu em prestimónio metade da igreja de S. Vítor “quae dicitur Bracara”, metade de S. Frutuoso, com a vila de Montélios e metade da vila Corneliana, e todos os seus anexos, com tal condição que estes bens reverteriam para a Sé Compostelana logo que D. Paio falecesse.
Não devemos ignorar que entre os motivos de simpatia da Cúria Romana para com o prelado compostelano se contam o seu prestígio, mas também as suas amizades e conhecimentos pessoais e ainda a sua capacidade de apoiar a Santa Sé com generosas prestações pecuniárias, como recorda, entre outras, a bula Licet gravioribus, de 16 de Junho de 1118, em que o Papa, então Gelásio II, o exorta a que “Romanae ecclesiae multis aggravatae multisque distractionibus fatigatae, memoriam habeat, et tam eius (Ecclesiae Romanae) quam suis opportunitatibus subveniat” e lhe recomenda o Cardial P. e o tesoureiro Pedro. Em 2 de Agosto de 1130, o novo Papa Inocêncio II, através da bula Pro subjectione, agradecer-lhe-ia os presentes recebidos (xeniis nobis a munificentia tua transmissis, dilectioni tua gratiarum persolvimus actiones), garantindo-lhe que iria despachar favoravelmente todos os seus pedidos. De facto, a esta seguiram-se outras cinco bulas, todas elas relativas aos interesses materiais da Igreja Compostelana, duas delas dirigidas ao Arcebispo de Braga, D. Paio Mendes. Numa dessas bulas, o Papa repreendia o Bracarense por não ter correspondido a uma convocatória para comparecer em Roma e marcava-lhe nova entrevista, para dali a cinco meses, na festa da Purificação da Virgem Maria; na outra, a bula Carisimus frater, Inocêncio II ordenava ao Arcebispo que restituísse ao Bispo de Compostela as vilas e outras possessões que em tempos dele tinha recebido em benefício, e que não fizesse oposição a que os votos devidos a Santiago pelos fiéis da diocese de Braga continuassem a ser arrecadados.
O problema arrastou-se e ainda não estava definitivamente resolvido, muito tempo após a morte de Diogo Gelmires. O Papa Alexandre III, em 9 de Janeiro, presumivelmente do ano de 1181, assinava a bula Venerabilis frater noster dirigida aos Bispos de Ávila, Porto e Tarazona, encarregando-os de fazer com que o Arcebispo de Compostela D. Pedro Soares restituísse metade de Braga com as igrejas de S. Frutuoso e de S. Vítor e suas pertenças, ou, se por ventura contestasse a restituição, de conhecerem as razões e as alegações apresentadas.
Lúcio III, que sucedeu ao Papa anteriormente referido, em 9 de Setembro de 1181, dirigiu a bula Presente venerabili, aos Bispos do Porto, Salamanca e Tarazona, a encarregá-los de resolver a pendência acerca de S. Vítor, S. Frutuoso e metade da Sé de Braga, e dela resultou uma sentença, proferida em Tui, a 27 de Outubro de 1182, mas assinada apenas pelos Bispos de Salamanca e Tarazona, que julgaram a favor de Compostela, por falta de comparência do Arcebispo de Braga, apesar de citado. Este recorreu da sentença para Roma e, em consequência, cinco anos depois, Urbano III remetia ao Subdiácono João, "Vicedominus” de Brescia, e ao Mestre J. de Bramo a bula Quanto de prudentia, de 13 de Abril de 1186, a cometer-lhes o reexame da sentença dada no pleito entre os Arcebispos de Braga e de Compostela sobre as igrejas de S. Vítor, S. Frutuoso, metade da cidade de Braga e outros bens.
No tempo do Arcebispo de Braga D. Martinho Pires (1189-1209) e do Arcebispo de Compostela Pedro Suárez de Deza (1173-1206), foram definitivamente resolvidas pelo Papa Inocêncio III (1198-1215) as pendências entre Braga e Compostela. Por acordo amigável entre os dois Arcebispos, homologado pela bula Licet Unum, de 16 de Julho de 1199, em que se repartia pelas duas Sés metropolitanas a supremacia sobre as dioceses de Coimbra e Viseu, que ficavam a depender de Braga, e de Lamego e Guarda, que ficavam subordinadas a Compostela, o Arcebispo de Santiago renunciava ao senhorio de metade de Braga e das paróquias de S. Frutuoso e S. Vítor com outras pertenças. Estava assim debelada uma querela que se tinha prolongado durante todo o episcopado de Diogo Gelmires e, mais ainda, durante todo o século XII.
Das outras possessões da Igreja Compostelana, a sul do rio Lima, que então balizava pelo norte a Arquidiocese de Braga, multiplicam-se as notícias em relação à Correlhã. Em 1174 estava na posse do Cabido santiaguês, que nessa data a concedeu a três indivíduos, de nome Gonçalo, Cornélio e Joanino, em tenência durante cinco anos, por duzentos e setenta maravedis ao ano. Aliás, em 1185, na sequência da repartição dos bens da Igreja de Santiago de Compostela entre o Arcebispo e os capitulares, a Correlhã, assim como as outras propriedades santiaguesas em Portugal, passaram a constituir receita exclusiva do Cabido e a depender da sua jurisdição. Ao terminar o século, em Julho de 1199, o Papa Inocêncio III emitia uma bula, a confirmar, além da transferência para a jurisdição da metrópole de Compostela das dioceses antigamente sufragâneas de Mérida, os "votos de Santiago" e diversos domínios, incluídas as vilas de Correlhã, com as suas igrejas, e as de Mouquim e Gondufe, com todas as suas pertenças.
Estudo à parte já mereceu o diferendo que, em 1229, opôs o Cabido Compostelano e os membros desta comunidade, que em vão procuraram desligar-se da obediência à Igreja de Santiago e colocar-se sob a dependência do Arcebispo de Braga. No futuro, de um modo geral, decorrerão em ambiente pacífico as relações institucionais entre as dioceses de Braga e Santiago de Compostela.
Em relação à Correlhã, sabemos que, no termo de um período em que, devido à guerra da independência de Portugal em relação à Espanha, a sua administração se terá revelado muito problemática, o Arcebispo de Santiago D. Lope de Mendoza resolveu definitivamente o problema, vendendo-a, em 1426, a D. Afonso, Conde de Barcelos, por duas mil coroas de ouro do cunho de França. Naturalmente, nessas circunstâncias, esbatiam-se quaisquer dúvidas em relação à jurisdição eclesiástica do Arcebispo de Braga sobre a respectiva paróquia.
Documento
1102
– O Bispo Diogo Gelmires visita as terras pertencentes à Igreja de Santiago, em Portugal, e procede à transferência das relíquias de S. Frutuoso e outras, de Braga para Compostela.
(Neste blog publicamos apenas a tradução. Omite-se o elenco bibliográfico e, como em todo o texto, as notas de rodapé).
HISTORIA COMPOSTELLANA
Cap. XV
DESLOCAÇÃO A PORTUGAL
1. E para que não se desviasse do provérbio que diz “o que pode a tua mão fazer, fá-lo imediatamente”, na medida das suas forças, [D. Diogo Gelmires] trabalhou arduamente em tudo o que pôde para que a sua mente não se deixasse abafar gradualmente pelo acumular de preocupações terrenas. E assim, inspirado pela graça divina, dirigiu-se a Portugal com a ajuda do Senhor e fez o que a seguir se descreve.
Trasladação dos Santos Frutuoso, Silvestre, Cucufate e Susana, virgem e mártir, para Compostela.
2. No ano da Encarnação de Nosso Senhor de 1102, o venerável Padre D. Diogo por graça de Deus Bispo Igreja de Santiago de Compostela, no segundo ano do seu episcopado, como seria justo, decidiu visitar as igrejas, casas e herdades que no território de Portugal se conheciam como pertencentes de direito à igreja de Compostela, pois é próprio do bom pastor ocupar-se dos bens quer interiores quer exteriores da igreja, e providenciar para que, se encontrar coisas a perderem-se ou em desordem, estas se restaurem e ordenem. Tomou consigo algumas das pessoas mais importantes da sua Igreja e, como decidira, pôs-se a caminho da terra portuguesa. E quando estava próximo da cidade de Braga, enviou um mensageiro ao Arcebispo dessa cidade para lhe anunciar a sua chegada. O Arcebispo Geraldo, homem prudente e religioso, quando ouviu que o Bispo de Santiago estava a caminho da sua cidade, encheu-se de alegria e reunindo todos os seus clérigos com cruzes e outros ornamentos de sua igreja saiu ao seu encontro e recebeu em procissão o Bispo de Compostela com grande veneração, e, enquanto o clero cantava, introduziu-o com a sua mão direita na sua igreja e pediu-lhe com muito empenho que se dignasse celebrar aí uma missa nesse dia. Após a celebração da missa, o Arcebispo levou o Bispo para jantar e, depois do jantar, acompanhou-o ao seu próprio quarto, com grande honra, e oferecendo-lhe a sua própria residência, foi para outra casa. Assim, nesse dia, o Bispo de Santiago foi acolhido na residência do Arcebispo de Braga. No dia seguinte, depois de saudar os irmãos desta igreja e de lhes dar a sua bênção, o referido Bispo, em companhia do Arcebispo de Braga, chegou à Igreja de S. Victor, a que por direito pertence metade da cidade de Braga, e foi recebido como senhor nos seus reais palácios. Entretanto, percorrendo e visitando as suas igrejas, e nelas celebrando missas solenes, vendo os corpos de muitos santos, aí semienterrados, sem as honras devidas, gemia com piedoso afecto de emoção e congeminava no seu peito aquilo que depois com a ajudada divina poria em à prática: com efeito, pensava fervorosamente como poderia extrair pérolas preciosas de lugares inconvenientes e levá-las para a cidade de Compostela. Convocados, então, os clérigos da sua “família” e de conselho prudente, deu-lhes a saber o que pretendia fazer e de que modo, dizendo: "Queridos irmãos, vós sabeis que viemos a estas paragens para que, se nestas igrejas ou herdades encontrássemos alguma coisa destruída ou em desordem, a nossa presença os restaurasse e ordenasse e mudasse para melhorar o que se encontrasse em mau estado. Ora, não escapa à vossa diligência que nelas se encontra coisa inconvenientes: com efeito, vedes aí um pouco por todo o lado, não veneradas por qualquer culto e a descoberto, patentes ao olhar, muitos corpos de santos, que não ignorais carecerem da devida veneração. Se, portanto, a vossa prudência no-lo aconselha, procuraremos dar remédio a esta situação e procuraremos transferir para a Sé de Compostela alguns preciosos corpos de santos a que nenhum culto é aqui prestado. Ter-se-á, no entanto, de fazer isso a ocultas para que a gente desta terra, indisciplinada e espoliada de tão grande tesouro, não se levante em sedição contra nós e assim nos lamentemos de tentar em vão o que tínhamos ousado. Aprovada pelos seus clérigos esta decisão, pois afirmavam que era de inspiração divina e não devia ser adiada, o venerável Bispo, com o espírito cheio de alegria, respondeu, dizendo: “O Senhor Jesus Cristo, em cuja misericórdia confiamos, pela sua piedade, realize aquilo que desejamos e se digne conduzir a bom fim o nosso devoto propósito”. Então, depois de entrar na igreja de S. Victor e de nela celebrar a missa, ordenou que se cavasse do lado direito do altar-mor. Aí foi descoberta, debaixo da terra, uma arca de mármore, trabalhada com finura e delicadeza admirável. E quando se abriu na presença do Bispo, encontraram-se no interior duas arquetas de prata. E o referido Bispo, tomando-as com grande respeito, abriu-as, glorificando o nome do Senhor com salmos e orações, e numa delas descobriu relíquias do nosso Santo Salvador e na outra de vários santos. Fechadas então e seladas com segurança, confiou-as à guarda dos seus mais fiéis clérigos. Noutro dia foi à igreja de Santa Susana, virgem e mártir, que não está muito longe da igreja de S. Victor, e aí celebrou a missa com grande devoção. Celebrada a missa, revestido com os mesmos paramentos sagrados, aproximou-se com emoção dos mausoléus dos mártires São Cucufate e São Silvestre, que descansavam na mesma igreja, e retirou dos inconvenientes sarcófagos para uma toalha limpa os gloriosos corpos e com grande reverência fê-los transportar e guardar fielmente no seu quarto, por ministros idóneos e fieis, sem conhecimento dos restantes.
António Matos Reis
Publicado, em versão integral, com o título D. Diogo Gelmires e as terras sob a jurisdição da Igreja de Santiago de Compostela entre os rios Minho e Ave, na revista